Ter mais olhos que barriga….

Ana Cruz
Houve uma época que os filósofos eram músicos e traziam mensagens nas músicas que faziam pensar e incomodar quem as ouvia. O músico e cantor Chico Buarque tem uma música chamada Ciranda da Bailarina em que uma estrofe parafraseio “Só a bailarina que não tem/E não tem coceira/Verruga nem frieira/Nem falta de maneira/Ela não tem”.
Pois é fácil de constatar que ninguém é perfeito, e toda a gente peca! Mas no fundo é reconhecendo as nossas imperfeições que podemos melhorar. Por isso coloco sempre todos os anos esta questão: Porque comemos em demasiado na consoada de Natal, sabendo que nos leva ir ao médico com azia ou vómitos?
A alegria de reunir com a família conjugada com uma mesa recheada de guloseimas e pratos tradicionais regados de vinho deve fornecer uma certa dose de amnésia do resultado do excesso alimentar do ano anterior! Porque é devido a esta repetição constante dos excessos alimentares que existem as “milagrosas” receitas (lucrativas) dos antiácidos para os laboratórios farmacêuticos.
É de senso comum reconhecer que as gorduras e a dor de barriga (epigastrialgia) são sintomas para suspendermos o frenesim alimentar, no entanto naquele momento arranjamos sempre desculpas para distrair os sinais: “É só mais um bocadinho!”; “Se não comer a minha avó fica chateada!”; “Aproveito hoje que amanhã não sei se estou cá…” entre outras ideias, para além do famoso “Ai rapariga estás tão magrinha!” da mãe\ avó protetora.
Tudo tem o seu equilíbrio. E passar o dia 25 de Dezembro no hospital por uma distensão abdominal e vómitos por excesso na Consoada perdendo a oportunidade de estar com a família, considero ser uma falta de precaução. E livre o imprudente de encontrar os profissionais de saúde devotos da medicina defensiva, que sujeitam o imprudente a exaustivos exames desnecessários em contexto agudo. Sim porque é muito importante realizar radiografias, ecografias, endoscopias, tomografias antes de questionar. Sim porque não vá o imprudente questionar o profissionalismo do médico por não lhe realizar exames. Sim porque ter uma reclamação e ter processos disciplinares são incómodos (e corre o risco de suspensão do exercício profissional!). Sim porque dizer que jejuar do frenesim que teve horas antes, associados a beber chá de funcho, ou comprar um remédio de receita livre na farmácia é passar um atestado (?!) de descuidado. O melhor é colocar o imprudente em tratamentos endovenosos durante horas, com exposição garantida a infeções hospitalares. E garantidamente ter um Natal difícil de engolir no hospital (?!) com enfermeiras a dizerem “No próximo ano não volte a abusar!” ou “Há quem goste de vir nos visitar todos anos nesta altura” enquanto picam o braço para colocar um soro de 1 litro que podia ser substituído por um litro de água\ chá bebido em casa na companhia que o imprudente desejava. E como a informação é tão disseminada na Internet, nem se explica que todo o desequilíbrio gastrointestinal, tem consequências a nível do trânsito intestinal, com diarreia ou cólicas abdominais. Assim o atestado de descuido passa para o profissional de saúde que em vez de prevenir nova ida do imprudente ao hospital explicando uma lógica que todo individuo sabia acerca de 40 anos atrás: restabelecer um estomago mal tratado e um intestino fustigado por carnes, álcool em excesso, doces em demasia, couves regadas de azeite, leva várias semanas a normalizar!
Por isso não queira um atestado de incauto e horas (des)necessárias no hospital com prémio de consolação que provavelmente será uma virose ou infeção transmitida pela senhora\ senhor que estava ao seu lado na sala de espera da urgência. Ligue para a Saúde 24 (808 24 24 24) ou fale com o farmacêutico (sim há sempre uma farmácia aberta mesmo no Natal!) para esclarecer dúvidas. Não se exponha logo ao ambiente hospitalar (Não. Não é o local mais seguro para ter infecções!). Seja razoável consigo e com a sua família, não coma tanto hoje, coma amanhã, mas na companhia de que tem ama. Porque o sentimento de culpa não é só seu, a sua mãe\ avó irá martirizar por ter feito tantos sonhos, rabanadas, filhoses, aletria, bacalhau com couves…Aproveite! Não queira ter um frasco de soro como companhia!