HISTÓRIAS DENTRO DA HISTÓRIA

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O AVENTAL
O tear manual da tia Isabel era uma peça fundamental na feitura de inúmeros artefactos rurais. As suas belas colchas e mantas eram muito apreciadas pela população. Também o avental feito no tear, ou na costureira, de pano comprado na feira ou na loja da aldeia, normalmente comprido e largo, peça campeira que escondia e protegia parte da saia. De chita, pano cru, de merino ou até de seda conforme as posses e circunstancias, de cores garridas ou mais discreta, liso ou listado, o avental era uma peça que nunca abandonava a mulher do povo, para o trabalho, para festas ou romarias ou simplesmente para ao domingo ir á missa. No bolso do avental a rapariga usava o lenço como declaração de amor e que mais tarde ofereceria somente ao rapaz que amava como prova e compromisso do seu amor. Este então passá-lo-ia a usar ao pescoço com o nó para a frente ou no bolso do casaco do seu fato domingueiro. Esta vida é mais ampla que aquela que julgamos viver e a camponesa na simplicidade e singeleza do seu avental acudia aos filhos pequenos usando-o como capa em ocasião de uma chuva inesperada, limpava narizes ranhosos da criançada , guardava religiosamente no bolso uma côdea de pão que havia de enganar a fome, tapar o buraco no seu estômago mal aconchegado, e nele retinha o sol que haveria de dar á criação num grão de milho. No avental transportava do campo as batatas novas arrancadas ás escondidas, não fosse alguém com a sua cobiça invejar o batatal. Na arregaçada do avental escondia com algum pudor a oferta com que a senhora rica da aldeia lhe pagava pequenos favores ou grandes serviços. E na aldeia, terra de joviais donzelas, as meninas mais novas, na sua idade irreverente de fazer corar o dia, desejando agradar ao primeiro namorado, usavam o avental como simples peça de adorno e entre lânguidas súplicas e promessas aos santos da sua devoção, lá conseguiam que a mãe autorizasse a “feitoria“ de um mais pequenino, mais adornado de enfeites vistosos, ao jeito de quem quer dar nas vistas. As pessoas mais velhas, as mais pobres, não deixavam de criticar tão reduzida peça, porque no seu rural entender não tinha préstimo algum, não tinha tamanho que lhe permitisse cumprir a sua verdadeira missão. E assim o povo, na sua humilde sabedoria e fecunda imaginação baptizou esta peça como “avental tapa crica“. É esta a terra onde nasci, sagrada e tosca, fecunda, de verões quentes e invernos rigorosos, terra que no silencio das noites aperta nos braços suas místicas donzelas como farfalhudo ramo de frescos sorrisos, e quando no arraial das festas da Srª do Castelo, ouvindo o estalar dos foguetes, ofegantes sobem ao monte com suas saias matizadas e aventais garridos, vermelhos como papoilas, amarelos como malmequeres ou verdes, cinzentos ou castanhos como a ramagem das árvores vivenciando o ciclo de transformação das suas épocas. É esta a minha terra, que semeia e colhe, enxuga o suor á manga do futuro que veste o luto das amoras silvestres, convive com o rosado dos frutos maduros, terra povoada de velhinhas árvores que se desgrenham ao vento da loucura, mas que sempre sinto em flor com toda a fortaleza das cores faiscando na luz de um sol a pino do meio de um dia luminoso.