REFLEXÕES

DSC03818
Protecção animal em Mangualde
Episódio
NUM LARGO E PROFUNDO POÇO…
Chamavam-lhe o poceirão, por ter uma enorme bocarra, vinte metros, ou mais, de diâmetro. Pertencia a uma empresa de extração de pedra localizada na aldeia da Mesquitela e tinha aquele apêndice no Bairro da Estação. A sua presença era altamente perigosa porque havia casas muito próximas e por vezes estava cercado de mato que prejudicava a visibilidade…uma armadilha, um verdadeiro atentado à vida.
Um dia, num mês próximo do fim do Inverno, era sábado, cerca das dezanove horas, um vizinho bastante aflito, foi procurar-me a casa…” Ai não sei a quem recorrer, mas sei que a senhora protege animais e eu preciso muito da sua ajuda”… Mas que se passa? “ Olhe, sabe que à frente da minha casa está o poceirão…Desde quinta – feira que um cãozinho tem uivado muito de noite, nem deixa dormir. Desconfiei que estaria por lá, fui ver e sim, ele estava mesmo lá, muito no fundo a fazer equilíbrio numa pequena saliência de pedra ao nível da água que o poço acumulou, e que estará a cerca de quinze metros abaixo da superfície do terreno. Ainda arranjei um cesto preso com uma corda, pensando que ele poderia saltar para dentro, mas deu em nada!! Não sei como lhe acudir!...Estou muito aflito.” Bom, senhor Cabral, leve-me a ver isso imediatamente, porque começa a escurecer.
Quando chegamos à borda do poço deparei-me com uma situação de cortar a Alma. Lá no fundo, estava realmente um cãozinho deitado na pequena plataforma de pedra com aquela larga extensão de água esverdeada quase a tocar-lhe!!! Era de meter medo ! Fiquei numa angústia, aterrorizada… Senhor Cabral esta situação só com a ajuda dos bombeiros se poderá resolver. Como não havia os abençoados telemóveis, tive de me deslocar a cerca de 300 metros para os contactar pelo telefone de casa. Entretanto fez-se noite. Atendida pelos bombeiros estes foram inteiramente receptivos. Em poucos minutos chegaram ali, o senhor Presidente João Soares acompanhado por dois jovens bombeiros, para avaliar a situação. A partir deste momento gerou-se um verdadeiro reboliço porque a operação apresentava-se bastante difícil e perigosa. A descida até á água teria de ser feita por uma rampa cheia de cascalho que não dava nenhuma estabilidade e essa rampa lá muito no fundo desaparecia dentro da água não havendo qualquer hipótese de avaliar a sua profundidade!! A tentativa de descer por corda não resultou. Então, e muito bem, entenderam que só com um barco se conseguiria fazer a travessia daquele verdadeiro lago e chegar junto do animal. Teria que se encontrar um… entretanto já se aproximavam as dez horas da noite e uma chuva miudinha caía. Estas condições seriam susceptíveis de levar à desistência !!! MAS NÃO! Estávamos todos de pé firme empenhados no salvamento. O senhor presidente dos bombeiros - um jovem àquele tempo - decidiu que tinham de encontrar um barco entre os amigos. E seria também necessário trazer um veículo de apoio com o rolo da corda e holofotes. Tudo estes bravos bombeiros providenciaram.
Para meu espanto passada mais meia hora, surgiram com um barco da tropa bem resistente. Este seria bem amarrado à corda do carro dos bombeiros. Agora era preciso que um dos jovens fosse corajoso. Confesso que eu estava apavorada. Os jovens hesitavam, iam arriscar a vida … mas logo mostraram a sua força de carácter. O barco bem preso ao gancho da corda. Um dos rapazes salta para dentro e os outros vão- no fazendo deslizar rampa abaixo!! Holofotes apontados. Muita tensão. Indescritível …. O pobre animal que, quando três horas antes nos viu chegar à borda do poço, se entusiasmou conseguindo pôr-se de pé naquele pedacinho de pedra, abanando a cauda, voltou a deitar-se e não mais se mexeu. Depois de tantas horas achou que aquele alarido não seria por ele!...Mas já cerca da meia - noite o barco com o jovem bombeiro estava finalmente ali bem próximo, só que o animal nem se mexia, por mais que o jovem chamasse ele tinha perdido a esperança! Foi com grande esforço e correndo o grande risco de cair à água que esticando-se quanto pôde conseguiu finalmente puxá-lo pelo cachaço para dentro do barco. Passava da meia-noite, nós, cá no alto, respiramos de alívio, gritamos, batemos palmas, enfim, foi um entusiamo indescritível. Começando o movimento inverso passados mais uns infindáveis minutos ali estavam, o barco e o jovem bombeiro com o cão ao colo…!! ENTÃO, ENTÃO? QUEM É O DONO DO ANIMAL ?!!! Não tinha dono, mas ia ter. E foi-me colocado nos meus braços, encharcado, e encharcada cheguei a casa. Não sem antes agradecer muito emocionada aos nossos Homens da Paz, por este feito heróico. Quatro horas que pareceram infindáveis
Não soubemos se tinha sido atirado para lá ou se teria caído, no entanto foi graças ao amor pelos animais revelado por todos os intervenientes que em finais da década de 90 se conseguiu salvar com grande sacrifício e muito perigo, mais uma vida. Não dum cão, mas de uma cadela a quem dei o nome de “FELIZARDA”. Em agradecimento entreguei mais tarde aos Bombeiros como testemunho da sua abnegação, uma bonita fotografia dela já recuperada. Hoje alguns dos participantes ainda se lembrarão…
Foi uma tarefa memorável que deveria ser lembrada…para que conste.
Fevereiro 2019