Se lá chegar… já não estarei cá…

Ana Cruz
Em cada dia que passa observo o meu futuro em cada rosto que é sulcado pelos anos. Vejo vidas que foram focadas em agradar os outros desconhecendo a riqueza interior; vejo sorrisos tristes ao lembrar o passado ignorando a tranquilidade do presente; vejo inveja da juventude de agora negligenciando a saúde sedenta por atenção.
Alegro-me por aprender ideias que não estão em livros, ou doutamente espalhadas em qualquer universidade ou instituto. Que o meu professor(a) é o idoso que se sente pouco necessário e anseia pela paragem final como forma de alívio para quem fica…Fico fascinada com o velhote que, enquanto realizo um tratamento, me descreve a obrigatoriedade que o Ministério da Agricultura impõe para aprender a realizar podas de árvores de fruto. “Sabe, Srª Enfª, ando todas as semanas a ir para Viseu aprender uma coisa que aprendi com o meu avô. E agora querem que eu aprenda com um miúdo, que se diz engenheiro, mas não percebe nada daquilo.” Questiono porquê. “Temos de ter uma licença para ter pomares e agora inventaram isto, veja lá! Como se nunca tivéssemos podado antes?! O mais engraçado é que o miúdo tem aprendido mais connosco e ainda andamos a pagar-lhe!” Eu refleti no que este senhor contou, de forma tão simples e tão cativante. Um letrado a beber o conhecimento empírico, tão criticado e subvalorizado pelas comunidades académicas, e no entanto é onde se aprende as bases, os valores de construir um caminho: pensar fora da caixa!
Fico focada na senhora que baixa o tom de voz quando fala em tisanas e tratamentos homeopáticos antigos. Porque e passo a citar “Eu aprendi isto com a minha tia ceguinha, que não sabia ler…Olhe que eu apenas sei escrever o meu nome! Mas se não fosse aquele chá, não estava cá para contar história. Nem acredita, agora só comprimidos e pozinhos. Naquela altura tínhamos que ser curandeiras, conhecer as plantas…Agora dizem que é bruxaria ou charlatanice!”. Mulher com conhecimentos vastíssimos de senso comum, em que um corte na pele era algo para tratar, e não algo para correr ao hospital!
Fico melancólica pelo casal humilde que lutou para dar estatuto aos filhos, sacrificou-se em dar um caminho que nunca tiveram oportunidade, e são relegados a cargas inoportunas. De avós que são mães, e são humilhadas por crianças com bonecas de carne e osso. Vi lágrimas de desilusão de uma mãe madura que reconhece o desrespeito da filha em relação a si, como um presente de uma educação permissiva e indisciplinada.
Fico alegre por ver uma réstia de humanidade nos olhos cansados de quem acha que tem pouco para dar, mas reconhece que o mundo é uma passagem e que tudo e todos têm de ser aproveitados.
Assim quando ouço “Já não estarei cá…” ou “oh, se lá chegar…”, reflito que somos breves gotas\grãos\folhas desta azáfama que nós chamamos vida.