Desabafos sem comprimidos….

Ana Cruz
Dizer que os valores estão em decadência, é um eufemismo para qualquer pessoa que veio de origens humildes. Em tempos em que a fome moldava o carater, e a necessidade era sinal de sobrevivência, reconheço mais riqueza de espírito em quem nasceu e viveu nesses tempos do que os mais afortunados necessitados de hoje que buscam pouco trabalho e desperdiçam a assistência que a sociedade lhe dá. Na verdade, os exemplos vindos de cima são tão pouco valorosos que quem não devolve ou retribui o que recebe cita sempre a corrupção nos órgãos de soberania. Desta última do nepotismo assente na distribuição dos cargos políticos no poder central, mas sempre vi favoritismo entre funcionários que trabalham para o Estado. Lembro-me de um local que trabalhavam pais, filhos e cunhados, selecionados de forma muito “correta” num desses concursos públicos que apenas tem uma abertura de alguns dias para poucos ou ninguém ter conhecimento senão os “isentos” candidatos. Por isso e por outras condutas a base de uma sociedade que é a família deve ter acesso a uma boa educação e não ser exposta a injustiças sociais criticadas em publico, mas festejadas em almoçaradas de quem aponta o dedo mas beneficia com ajustes financeiros que o mais comum cidadão nem desconfia….
Todos os dias ouço “Sou apenas uma mulher\ homem da terra, nada sei….” ou “Não estudei, pouco tenho de opinar…”, no entanto tenho o privilégio de escutar histórias que contém mais valor que muitos artigos de revistas de grandes académicos ou professores especialistas da área social. O que para muitos são lamúrias repetitivas e queixas irreais para mim são oportunidades únicas em observar a conduta humana perante circunstâncias que podem ser semelhantes para tantos, mas cuja solução\ resultado apenas depende da experiência humana que aquela pessoa teve. Ultimamente tenho observado a facilidade com que as pessoas com mais formação académica aceitam tomar medicação ansiolítica ou antidepressiva, invés de enfrentar os dilemas existenciais. Socialmente é mais aceitável reprimir as emoções, mas a sua força retorna sempre e o que hoje é oculto com ajuda dos químicos, mais tarde terá consequências na aceitação de si própria. Porque apesar da rigidez dos casamentos antigos, vejo mais transparência na comunicação do que nas uniões mais recentes. Recordo-me de um casal de idosos que a esposa que sempre foi dedicada à família que gerou. Culpava diariamente o marido por atos cometidos no passado. Atos que são condenáveis pela lei da Deus e dos homens, mas que estão intrinsecamente ligados ao ser humano. Atos que são vangloriados entre os homens como forma de demonstração de virilidade, mas são apenas uma forma de competir e de superiorizar perante os demais. O esposo aceitou o erro que cometeu e todos os dias quando exposto ao dedo acusador da pessoa que magoou, pedia desculpa e cuidava dela sem raiva ou revolta. Mas a esposa sempre recordava a dor de ser traída, e todos os dias chorava e era juiz e carrasco, mas não do marido. De si própria. Todos os dias ele lembrava a dor e o sofrimento que já não existia. Estes pensamentos foram tão corrosivos que a dor já era física. Curioso é que a tolerância do esposo “criminoso” era sinal que já tinha perdoado a si próprio, e a piedade era o que o movia e mantinha ligado à esposa. Afinal quem sofria mais? Quem acusava ou que já se tinha perdoado? O desfecho apenas será do conhecimento de ambos, mas o desabafo da esposa na presença do esposo foi mais precioso que uma década de antidepressivo.
Temos tanto que aprender, mesmo que o exemplo seja ínfimo, saber comunicar e espantar os pensamentos obsessivos\ ruminantes traz paz espírito e afugenta a depressão. Julgar os outros é fácil (para além de mesquinho!), mas julgarmo-nos é um sofrimento constante. Saber perdoar está sempre apoiado na mudança de comportamento de forma positivo. Nada anula o que já está feito, mas repetir o pensamento diariamente, isso sim está sob o controle de cada um. Os estoicos consideravam as emoções uma fraqueza, mas nem todas as emoções são negativas pois não? Avançar para melhorar, pensar no que não controlamos apenas toma-nos tempo. Tudo isto observei na simplicidade de pessoas que dizem “Não sou importante. Apenas trabalho na terra! ”, porque quanto mais se sabe mais se quer. Porque a humildade não tem disciplina ou cadeira em faculdade. Porque a ganância é aliada ao estatuto. Afinal todos nós devemos viver sem sofrimento, e para mais evitar o sofrimento autoinfligido.
Uma boa Páscoa, e que usufruam este momento para refletir em si próprios e evitar atirar pedras.