SANFONINAS

dr. jose
A alpercata da ‘selfie’
Ainda hoje, por mais que a oiçamos, nos enternecemos com a criação de Paulo de Carvalho: «Os meninos à volta da fogueira…». Toda uma ternura, uma inocência, um auspicioso mundo de sonho que esperam os adultos venham a lograr construir!...
Atira-nos para um tempo antigo, em que o pedaço de ferro da grossura de um dedo, arranjado nas obras, podia ser soldado e se tornava no arco, que uma gancheta, também ela por ali obtida, mas mais fina, empurrava à perfeição!... E o carro de assalto feito de um carro de linhas dos grandes, cujo círculo se golpeava para ser roda dentada, movida pelo lento desenrolar do elastrinho que um pau de fósforo ajudara a ser mola propulsora.... E a bola, feita dos trapos arrebanhados aos pés das moças da costura e metidos numa meia velha… E a forqueta bem ajeitada, com dois elásticos cortados a preceito, de uma câmara-de-ar de bicicleta, atados de um lado e doutro de um pedaço de sola (qual funda) e … e lá estava a fisga para ir aos pássaros ou para desafios de pontaria…
Tudo isso se atafulhou de supetão na minha cabeça, quando vi a imagem, hoje mui justamente a correr mundo e a despertar sorrisos. Sim, que outras reacções não há possíveis no imediato: sorrir e… partilhar! E, claro, louvar quem captou a cena, quer a tenha encenado, quer ela se lhe tenha deparado assim, de repente, ingénua e sorridente, como a vemos.
Louvado seja, de facto e com inteira justiça, quem se lembrou, o adulto ou a criança. Aquela criança, aquelas crianças… Temos mesmo de parar e de olhar!...
Se não erro, terá surgido pela primeira vez, a 28 de Fevereiro, numa página da Internet, «linda de mais para não ser vista por todo mundo» – escreveu-se de imediato. E Manuela Augusto comentou: «Fiquei emocionada com esta foto. Será que estas crianças, na sua humildade, não são mais felizes do que as nossas, que, logo de bebés, usam o telemóvel? Estas inventam, brincam com o que têm e, pelas caras, estão encantadas». Quem fez a fotografia «mostra a grandeza da alma e da generosidade para com os outros. Grande exemplo!».
Aquela alpercata, artisticamente enganchada na mão, representa para os meninos o gozo maior, a pirraça aos adultos que eles ainda não são e sonham ser, e que, neste momento, estão certamente muito mais felizes e despreocupados e ricos de emoções do que a maior parte de nós quando tira uma selfie, só porque… se tem de tirar!... A alpercata assim empunhada não será, afinal, bem significativo libelo?