HISTÓRIAS E MEMÓRIAS DE UMA ALDEIA

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OS PÁTIOS RURAIS
Quintas airosas, ávidas de luz, sorvedoras de sóis que faziam arreganhar os ouriços dormentes em tempo de estio, lugarejos inóspitos ou aldeias rústicas, ruralizadas, alpendoradas na mansidão viçosa dos planaltos. Nenhuma existia que não tivesse seu pátio rural. Amplos e solarengos ou de reduzidas dimensões onde sempre um sol sorridente tinha oportunidade de beijar uma palha dourada, o milho e o feijão grados amontoados em rima servindo também para guardar os utensílios da lavoura; palcos mágicos onde gozando de uma liberdade pacificadora andavam á solta alguns animais domésticos, que com seus grunhidos, roncos, arrulhos, cacarejos e latidos reconheciam a mão que lhes dava o alimento. Pelos verdes anos da minha meninice e juventude navegaram sonhos eternos, vendo a ronda infinita das imagens bailar na minha lúcida memória. Apenas um pátio ainda preenche os meus devaneios, exalta a minha memória pelo seu enlevo, tamanho e carisma: o da tia Rosinha. Carinhosamente conhecida pela sua benevolência em acolher todos os mendigos e viajantes. Era um pátio interior, enorme, amplo, circundado por vários corrais para o gado, os porcos, os bois, as galinhas, um forno para cozer o pão, a broa de milho espelhada, bem cozida, estaladiça, e um lagar num granito aparelhado para pisar as uvas. Contíguo á casa de habitação uma enorme adega repleta de pipas e tonéis perfilados como exército de bravos guerreiros. No afago de um olhar como sonho ilusório de primavera batido pela réstea luminosa de um sol em declínio vislumbrava-se um amplo telheiro, espaçoso, coberto com telha vã onde se guardava o feno e a cana de milho para alimentar o gado no Inverno; a lenha era um amontoado de grossas cavacas de pinho seco dos pinheiros serrados na mata de “corrais“ e rachados com robustos machados e rijos pulsos, que iriam manter a lareira acesa alegre e crepitante nos gelados dias de Inverno. Também lá se resguardava o carro de bois do temporal e os utensílios da lavoura. No centro uma rima de milho para descascar (seria numa noite de animada desfolhada), do outro lado um monte de grão de bico para arrepenar e malhar, e mais além junto ao muro sólido, em pedra granítica assente pela mestria dos nossos pedreiros, mais duas rimas uma de chícharos, outra de feijão para debulhar. Durante o dia ao sol secavam-se os figos e as peras que fariam as delicias Natalicias, e o “mata-bicho“ nas ceifas e “arrancas“. No Inverno e aproveitando o tempo frio procedia-se á matança do porco: colocava-se o carro de bois no centro do pátio e aí se matava e limpava o porco, sevado lustroso e gordo criado durante o ano com as hortaliças criadas no “lameiro”. As galinhas e os seus pintos depenicavam frenéticamente as ervas que iam crescendo e os grãos esquecidos e espalhados pelo chão do pátio. Ali também as crianças aprendiam a dar os primeiros passos e gozavam de total liberdade nas suas brincadeiras. Sazonalmente abrigando-se das agruras do tempo era porto de abrigo temporário de “saltimbancos“ e “farrapeiros“. Por altura da feira dos Santos quando o frio já começava a fazer lacrimejar os olhos das plantas os ventos frios perpassavam as ramagens e caíam já alguns pingos de chuva, arribavam então “os burriqueiros“ com suas enormes récuas que nos próximos dias iriam vender na Feira dos Santos, chegando á hora em que já se via por trás da luz a escuridão, cansados e ali se albergavam durante alguns dias e noites. Outras casas de dimensões mais reduzida tinham os seus logradouros, outras as quintãs que eram pequenos espaços de terreno arável que ainda davam para plantar pequenas hortas. Era esta a minha aldeia, terra que meus sonhos enverdece, e onde eu, árvore humana, criei raízes e ramagens que abraçam as estrelas e que maternalmente me trouxe ao colo e me cantou melodiosas canções para eu adormecer.