A INDEPENDÊNCIA DO PODER JUDICIAL

juiz
“Ainda existem juízes em Berlim”. Esta frase é o final de um episódio que passou para a história como o símbolo da independência possível e desejável da Justiça.
O episódio teria ocorrido no século XVIII, imortalizado pelos versos do escritor francês François Andriex num conto sobre “O Moleiro de Sans-Souci”.
Frederico II, “O Grande”, rei da Prússia, conhecido como um déspota, construiu um palácio de verão em Postdam, próximo de Berlim, onde recebia os seus amigos, entre os quais se contava Voltaire. O palácio ficava situado no monte de “Sans Souci”, que traduzido significa “sem preocupação”, perto do lugar onde o moleiro Arnold tinha o seu moinho de vento.
Um dia, quando o rei resolveu ampliar o seu palácio, mandou chamar o moleiro a quem propôs a compra do moinho. O moleiro recusou perentoriamente, argumentando que ali tinha falecido o seu pai e era ali que seus filhos haveriam de nascer.
Perante a recusa do moleiro, o rei fez-lhe sentir que até lhe poderia tomar a propriedade se assim o quisesse. Ao ouvir esta ameaça, o moleiro respondeu que ainda havia juízes em Berlim.
Frederico II, decidiu alterar os seus planos, deixando em paz o moleiro e o seu precioso moinho.
A resposta proferida pelo moleiro tem sido repetida com muita frequência, em várias línguas, no sentido de ilustrar que os tribunais podem obstar a certas atitudes de prepotência, defendendo os cidadãos, de uma maneira isenta e imparcial, mesmo contra aqueles que gozam dos mais amplos poderes políticos.
A independência dos magistrados judiciais não constitui, porém, qualquer privilégio dos juízes. É antes o resultado de um conjunto de medidas que procuram garantir ao cidadão um processo em que o julgador possa decidir de forma autónoma e independente, seja em relação ao poder político, seja em frente aos condicionalismos que provenham da sociedade civil. Os destinatários destas garantias não são, portanto, os juízes, senão num primeiro momento, mas sim o cidadão, ou melhor, o povo em nome de quem os tribunais proferem as decisões.
Os tribunais estão hierarquizados, formando uma pirâmide cuja base é constituída pelos tribunais de 1ª instância. No plano imediatamente a seguir encontram-se os tribunais da Relação, que funcionam como tribunais de 2ª instância. No vértice da pirâmide situa-se o Supremo Tribunal de Justiça.
No entanto, nem a hierarquia judiciária significa que os juízes dos tribunais de grau inferior dependem ou devem obediência aos de grau superior. A hierarquia traduz-se no poder conferido aos tribunais superiores de, pela via do recurso, revogarem ou alterarem as decisões dos tribunais inferiores.
A Constituição da República Portuguesa dispõe no seu artigo 203º que os tribunais são independentes e apenas estão sujeitos à lei.
Corroborando esta mesma orientação, o artigo 4º da Lei nº 62/2013 dispõe que os juízes julgam apenas segundo a Constituição e a lei e não estão sujeitos a quaisquer ordens ou instruções, salvo o dever de acatamento das decisões proferidas em via de recurso pelos tribunais superiores. E não podem ser responsabilizados pelas suas decisões, salvas as exceções consignadas na lei.
A teoria da separação de poderes (poder executivo, poder legislativo e poder judicial), que veio a ser consagrada na Constituição de diversos Países, entre os quais Portugal, está ligada ao nome do político, filósofo e escritor francês Montesquieu.
Em Portugal, foi a partir da Carta Constitucional que Mouzinho da Silveira pôde pela primeira vez dizer que “os portugueses deixavam de ser súbditos para passarem a ser cidadãos de direitos, liberdades e garantias” consagrados nessa mesma legislação constitucional.
José da Silva Carvalho, continuador da sua obra, perante o decreto datado de 1 de Agosto de 1844, reagiu dirigindo um protesto à Rainha por considerar o diploma atentatório da independência do poder judicial, visto derrogar o princípio constitucional da independência dos magistrados. Concluiu dizendo que “a independência do Poder Judicial não é um favor concedido à classe dos juízes, mas uma garantia dada à sociedade”.
Atualmente temos assistido a algumas tentativas de subordinar o poder judicial ao poder executivo. Quando pensávamos que esta tentativa seria alvo da reprovação do comum das pessoas de bom senso, fomos surpreendidos há dias com a atitude de uma advogada, num desses programas televisivos que são transmitidos pelas horas do meio-dia, ao afirmar que por vezes os tribunais deviam ser mais controlados. Os advogados não ignoram que uma forma de controlar as decisões judiciais consiste na interposição de recurso das mesmas.
Já ficamos admirados como certos meios de comunicação social se atrevem a julgar as decisões dos tribunais, servindo-se apenas dos fundamentos relatados por um dos intervenientes de modo muito superficial. Os juízes, além de terem respeitado o princípio do contraditório, ainda ouviram dezenas ou centenas de testemunhas durante dias, meses ou até anos, antes de se considerarem habilitados a proferir a decisão e, em poucos segundos, a sentença é “revogada” ou “alterada” pela comunicação social, conforme os interesses em jogo ou só porque é de bom tom dizer mal das instituições. Quando a atitude parte de um advogado a surpresa aumenta.