Informar sem ser superficial

Ana Cruz
Sempre valorizo a procura de informação acerca da saúde quer coletiva, quer individual. De fato, quem tem que alterar o seu comportamento para melhorar a sua saúde é a pessoa, não o profissional de saúde (Médico, enfermeiro, farmacêutico, fisioterapeuta entre outros). Com esta exposição é frequente o utente declarar ausência de responsabilidade na sua doença e remete a sua situação para a incúria médica, quando a doença não é controlada. É um quadro psicológico recorrente, colocar a culpa nos outros, e numa sociedade cada vez mais superficial e orientada para o consumismo e escassez de humanismo é natural a ideia de “querer mais sem saber como”. A desmotivação dos profissionais de saúde tem vários fundamentos, e reduzir apenas a questões salariais é remeter a um calculismo primitivo para com os profissionais de saúde. Um dos vários argumentos é a desvalorização da pessoa que tem uma formação para tratar e cuidar a pessoa, mas que a sociedade (influenciada por informação pouco fidedigna) nem quer escutar, cirando um diálogo condescendente. Às vezes, como profissional de saúde, tolero esta atitude para evitar o conflito, mas como cidadã sinto que é injusto estar a contribuir em ajuda de custos a pessoas que estão enfermas porque não cumprem o dever de zelar pela sua saúde! Mas finalmente denota-se uma ligeira mudança deste paradigma!
Esta situação que vou descrever podia ocorrer em qualquer sala de espera de um qualquer centro de saúde, mas aconteceu numa sala de espera de uma unidade de saúde do concelho de Mangualde, cuja gestão ainda é estatal! (Sim, não é só na gestão privada que as coisas funcionam….). Um senhor na ordem dos seus 60 anos aguardava, pacientemente sentado na sala de espera, com um envelope na mão. Surge outro individuo também de semelhante faixa etária, com idêntica carga nas suas mãos. Afinal eram já conhecidos e iniciaram uma animada conversação, típica de quem não se vê á anos! O primeiro levanta a questão acerca do motivo do segundo vir á unidade de saúde, ao qual o seu amigo revela vir “mostrar as análises para o médico.” E foi aqui que como observadora e profissional de saúde fiquei satisfeita com a resposta do perguntador. “Então vens ao médico só para te ver as análises? Eu já as abro logo quando vou levantar as análises, para saber que é urgente vir cá falar com o médico! ”Ora aqui está uma pessoa com consciência na prioridade para o atendimento médico, apresentando uma diminuição de ansiedade porque sabe o que tem e o que deve fazer com o que tem! Voltando ao segundo interveniente “Epá, eu não vejo isto! Eu sei lá o que tenho!”.
Na verdade a interpretação de resultados de análises baseia-se nos valores de referência que normalmente se encontram no lado direito dos valores analíticos das pessoas. (São escalas de medida de determinados produtos- sangue, urina, peso ou outro parâmetro biofísico- que são avaliados consoante a população, género, idade, que são aprovadas por entidades acreditadas para dar mais fiabilidade nos valores a avaliar.)
Voltando ao cenário o primeiro senhor ofereceu-se para avaliar as análises do segundo. Os valores das análises estão dentro dos valores de referência, e o senhor aparentava uma saúde de ferro, salvo a expressão, porque não sei que lhe foi pedido avaliação de ferro no sangue! Iniciou-se uma conversa mais animada acerca das tropelias realizadas na adolescência associadas a prováveis consequências na saúde, mas a moral retirada foi: que não é necessário ser médico para avaliar umas análises de rotina, e que este acontecimento dá menos ansiedade à pessoa, que reconhece que quando existe uma alteração deverá recorrer ao seu médico de família para o orientar. Na realidade, o que verifiquei foi um verdadeiro respeito em recorrer ao médico não em situação de doença, mas em situação de prevenção e atualização do seu estado de saúde. Penso que todo este processo que assisti foi um trabalho contínuo de alguns profissionais de saúde em partilhar informação. Partilhar para ganhar e não perder!
É frequente, alguns elementos mais tradicionais da área da saúde, considerar que esta informação só deve ser disponibilizada a quem andou em universidade ou politécnicos, mas na sociedade corrente devemos informar adequadamente os utentes para serem eles os verdadeiros vencedores dos seus resultados na melhoria da saúde! Não me sentiria minimamente insegura por dialogar com um utente acerca de termos técnicos sobre as suas análises ou exames médicos. Porque como consigo capacitar alguém para modificar a sua ação se continuo a ser paternalista e considerar que sou superior? Porque como posso criar uma relação terapêutica com base na confiança e respeito, se nem me dou ao cuidado de explicar ou olhar para a pessoa que tenho em frente?
Pelo menos num centro de saúde no concelho de Mangualde uma pessoa já conseguiu realizar esta relação com um utente, e o efeito dominó já está a surgir…