A VIUVEZ DA MULHER

juiz
Começaremos por lembrar que só se pode falar de viuvez a partir do momento em que passou a haver uniões conjugais. Na verdade, se recuarmos até ao tempo em que a mulher vivia em agrupamentos sociais mais primitivos, nomeadamente no seio do clã, é sabido que ela não pertencia a um só homem, mas a todos os que faziam parte do mesmo agrupamento. Sendo assim, o decesso de um ou de alguns dos homens do grupo não tinha qualquer repercussão no estado civil da mulher, pois continuava a “pertencer” aos restantes. Pela mesma razão também não se podia dizer que algum dos homens ficava viúvo quando falecia uma mulher que a todos “pertencia”.
É claro que todo este estado de coisas se alterou a partir do momento em que a mulher passou a “pertencer” a um único homem e se constituiu a família. A morte de um dos membros do casal originou a viuvez do que lhe sobreviveu.
A ligação da mulher ao seu companheiro era mais ou menos profunda, de acordo com a cultura do povo de que ambos faziam parte. Por vezes, o estado de viuvez tinha uma existência muito breve, pois a mulher pouco tempo sobreviveria ao companheiro morto, dado que logo diligenciaria no sentido de lhe ir fazer companhia na sepultura ou, noutros casos, a mulher em breve passaria a ficar ligada a outro homem.
Para compreendermos a evolução dos costumes acerca da viuvez não podemos perder de vista que, em certas regiões do Mundo, a mulher era considerada como propriedade do homem.
Assim, no Gabão, na África equatorial e na América central as mulheres de um homem passavam a ser pertença do seu herdeiro.1
Por outro lado, no domínio de culturas em que era praticado o levirato, o irmão do defunto era obrigado a casar com a viúva, de modo a ter filhos desta, que seriam tidos como sendo filhos do defunto.
Se de viuvez se poderia apelidar o estado da mulher posterior à morte do companheiro, tal estado era muito fugaz.
Acrescentaremos, a propósito, que outros povos praticavam o sororato, ou seja, era imposto ao viúvo o casamento com a irmã da defunta.
Hoje iremos recordar um hediondo costume designado “sati”, ou seja, casos em que as viúvas se sacrificavam no túmulo do defunto marido, porque se entendia que este devia necessitar delas na “outra vida”.
Na Nova Zelândia estrangulavam-se sobre a sepultura. Em Katunga, a primeira mulher do rei defunto era obrigada a envenenar-se sobre o túmulo, na companhia do filho mais velho e das principais personagens do reino, devendo todas as vítimas ser enterradas com o morto, seu senhor.
Entre outros povos, as viúvas eram obrigadas a mutilar-se ou a flagelar-se até produzirem chagas no corpo e na cara em sinal de luto.
Na China chegaram a ser erigidas tabuletas em memória das jovens que se suicidaram no túmulo do seu marido e, duas vezes por ano, certos mandarins faziam oblações em sua honra.2
A sacrifícios idênticos estavam sujeitas as viúvas indianas. Segundo o Código de Manu, a viúva tinha de guardar inteira fidelidade à memória do marido, vivendo de flores, raízes e frutos, nunca pronunciando sequer o nome de outro homem, sob pena de incorrer no desprezo público neste mundo e de ser excluída da mansão celeste onde estaria o defunto esposo.
Mas, pior do que isso, criou-se o costume de as viúvas se fazerem queimar com o cadáver do marido.3
Este costume passou a designar-se “sati”, palavra que servia para qualificar a mulher perfeita, ou seja, aquela cujo amor e fidelidade conjugal a leva a imolar-se na pira funerária de seu marido para poder acompanhá-lo no outro mundo.
É claro que se dizia que este costume não traduzia uma obrigação universal, pertencendo à viúva a livre decisão a tomar. Não podemos, porém, esquecer que a mulher estava sujeita a uma grande pressão social, nomeadamente no seio de algumas castas superiores. A mulher que se escusasse a esse sacrifício era banida da sociedade. Pretendendo escapar à morte na pira em que era queimado o marido, esperava-a o desprezo social que não conseguiria enfrentar sozinha de forma a poder sobreviver.
Sobre o “sati” falaremos mais desenvolvidamente noutra ocasião.

1 Cfr. Dr. Roboredo de Sampaio e Mello, Família e Divórcio, pág. 117.
2 Ibidem.
3 Cfr. Ob. e loc. cit., pág.s 119 e seg