Conversas Perdidas….

Ana Cruz
Tudo o que é inusitado estimula sempre a atenção de qualquer um. Quando não há justificação ou uma resposta óbvia, a curiosidade surge.
Quando a luz durante a noite era de candeia de azeite, quando o tempo era medido pela posição do Sol do horizonte, todo o mistério era esclarecido pelas palavras experienciadas e empíricas dos anciãos. Através de histórias contadas à lareira, através de exemplos vividos na comunidade, tudo era transmitido sob a forma de monólogo com uma plateia de adultos e crianças sedentos de sabedoria prática. A Natureza sempre foi rainha dos destinos humanos e conhecer os ciclos naturais sempre foi o objectivo do ser humano para sentir algum controle da sua vida. Por isso, seria cair em vergonha desconhecer os ciclos do próprio corpo ou ter pouco conhecimento geral.
Lembro-me de uma rapariga de 9 anos ter iniciado dores abdominais e os pais decidirem ir ao hospital pediátrico de Coimbra, onde após ter realizado vários exames e observação médica, não lhe foi diagnosticado qualquer mazela urgente. Como vivemos na era da medicina defensiva, o médico marcou uma nova avaliação física, 1 semana depois, para despiste de apendicite iminente. (os médicos são pressionados, pela opinião pública, a realizarem exames ou observações desnecessários! Ser processado por passar exames a mais não se ouve, mas já o contrário….). Na azáfama da vida diária, nunca lhe foi explicado o mistério da fertilidade feminina, e 2 dias depois numa ida à casa de banho na escola onde frequentava gerou um alvoroço de tal ordem que tiveram que chamar os pais. A miúda gritava e chorava dentro do cubículo e ninguém sabia o que se passava. Não abria porta e não explicava o que lhe provocava tanta agitação, apenas chamava pelo pai e mãe em tom assustado. O pai foi o primeiro a chegar para acalmar a criança, e conseguiu persuadir a filha a abrir a porta. Afinal a dor de barriga era o primeiro sintoma da filha iniciar puberdade. O susto da garota foi motivo de troça, por não conhecer o verdadeiro motivo de surgir o tom avermelhado na roupa íntima. Afinal a apendicite era a menarca! (primeira menstruação). Mãe e pai, a trabalharem num estabelecimento hospitalar, olvidaram de esclarecer à filha o que é o ciclo menstrual! De fato, a resposta imediata quando questionados por esta omissão foi “costumava ser a avó a falar disto”.
Num convívio quase inexistente com elementos mais maduros da família, isto pode ocorrer a qualquer um! Temas proibidos em ambientes familiares, a educação sexual é quase sempre delegada à escola, amigos e pesquisa na Internet! Mas quando deve ser abordado este assunto? Quando é que os pais se sentem preparados para reconhecer que a filha ou o filho estão a ter alterações próprias da puberdade? Pois…. Somos todos diferentes e as atitudes e a forma de proceder têm de ser adequadas a essa diferença. Abordar este tema tão quotidiano torna-se constrangedor por questões culturais e normas sociais. Este assunto era quase sempre delegado às mulheres mais maduras da família (tias, avós) e sempre em momentos de maior intimidade durante a realização de tarefas domésticas. Durante a preparação de um bolo, durante a lavagem de uma roupa, durante a costura de uma roupa, quase sempre eram momentos de reflexão e conversas mais profundas e quase sempre o tema era iniciado pela voz da experiência com um “Então já te tornaste mulher?”. Altura em que questionar não ofende, momentos em que quem explica sente-se útil, porque quem ouve necessita da informação e está atenta. Essas conversas eram um elo de ligação na relação familiar que tornava as memórias futuras frutuosas.
Hoje em dia o papel dos avós é importante para educação diária das crianças, mas devido à tecnologia e à constante crítica dos pais\ filhos, muitos são os avós que têm receio de iniciar o assunto da fertilidade\ sexualidade. Muitos são os idosos que comentam que “na minha altura uma rapariga já sabia disto tudo aos 13, agora só acreditam no que telemóvel diz…” ou então “… a minha filha reclama, porque ainda são crianças…Mas a Natureza quando aparece não fala com a gente e sempre me dizia que mulher prevenida vale por duas!”
A melhor ferramenta é sempre esclarecer antes de a menstruação surgir, e falar de forma calma e clara. Existe uma ideia generalizada que ter menstruação\ período é algo negativo e incomodativo, mas é um sinal de saúde. A verdade pode ser dura, mas as mudanças fisiológicas na rapariga são mais precoces e mais evidentes que os rapazes. Se for pai\mãe de uma criança não delegue esta situação, mas tenha um papel participativo. A educação sexual foi contemplada no curriculum escolar, mas devem ser as pessoas que estão diariamente com a criança que devem explicar. Se tiver dificuldade apoie-se dentro da família em quem está mais confortável em falar no assunto, e em último caso apoie-se na equipa de saúde da sua unidade de saúde. Para que o seu filho\ filha saiba respeitar o seu próprio corpo, deve ter um conhecimento básico do mesmo, e vai verificar que será uma base futura para criar confiança em si mesmo e no Mundo.