MEMÓRIAS

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RETRÉTES
Despovoadas e abandonadas por quem lá nasceu viveu e morreu , as nossas aldeias irremediavelmente caminham para a ruína e esquecimento . São as pessoas e os seus laços à terra que pisam e arroteiam , às árvores às fragas , às nascentes , ao vizinho do lado e ao da frente às memórias às lendas , aos saberes e tradições que unem e comungam emoções que fortalecem a união dos habitantes de uma aldeia . É a perda desses laços que está a levar a uma profunda descaracterização ou á sua lenta agonia sufocando-as em montes de ruínas . É urgente reiventar laços despertar vontades e consciências para que o nosso mundo rural seja rejuvenescido e encarado como parte integrante da nossa riqueza como povo . Perante a adversidade das condições em breve teremos apenas silvados e escombros a cobrir o que delas resta . São as aldeias das nossas vidas nascentes brotantes de uma seiva de paisagem onde o céu se casa intimamente com a terra . Longe vai o tempo em que regurgitavam de habitantes fervilhavam e transpiravam de vida rural . Todos os santos dias o sol baixava triste sobre a terra nas asas de um silencio de veludo porque eram deprimentes as suas condições de vida . Hasteava-se serenamente a bandeira de uma luta tenaz por uma saúde pública minimamente digna e qualitativa . Casas de banho eram miragens . Tomava-se banho na bacia grande ou no tanque . Nos anos sessenta começam a surgir as retretes de madeira construídas nos pátios das casas e nos quintais . Eram caixotes com um buraco ao meio para despojos e que por entre as ripas se vislumbravam as árvores e os montes á luz do sol recortadas em tosca nitidez . Outras situavam-se em pontos estratégicos da aldeia . Coexistiam com os habitantes . Eram autenticas estrumeiras públicas onde as pessoas vazavam “ os penicos “ e faziam as suas necessidades fisiológicas (não tomem como afronta a pureza do linguajar sem preconceitos simples e vernáculo do nosso povo : “arreavam a calça “ , eram os cagadouros . Tudo normal para a época até a ignorância aportada por arrocho que fazia sucumbir a imaginação que era ter uma estrumeira a céu aberto com a consequente difusão de bactérias disseminadas e transportadas nos aluviões das águas na época das chuvas que eram abundantes quando o céu se desfazia em água e a hostilidade das penedias apertava o corpo de encontro á alma . Simultaneamente eram causas de insalubridade as estrumeiras nas lojas nos pátios e nas ruas onde chafurdava toda a criação que livremente deambulava desde a glória do dia até á queda do poente . Inquinava a água pela mistura das enxurradas . Á falta de outros meios os dejectos eram atirados pelas janelas para as estrumeiras . daqui o pregão “ lá vai água “ para que as pessoas se precavessem de um banho perfumado , quando até o perfume das flores dos pátios e quinteiros , indecisas batiam asas inibidas pela aragem odorífera que deslizava . Surgiram as primeiras casas de banho equipadas com mais comodidade asseio e higiene . E do humus onde as plantas sugavam fortaleza surgia uma divisão no interior da casa num assombro de quem via milagre ou maravilha . Em todo o equipamento murmuravam vozes de água marulhos de frescura que antes no exterior apenas deslizavam sob verde ramaria . Resplandeciam as casas de banho como branca névoa que no poente lateja perante pequenos olhos como sonho infinito que o sol aviva … gatinhando ia chegando o progresso.