O DINHEIRO DA CRISE

Desde muito novo que tive o vício de juntar moedas, foi uma mania que nunca perdi ao longo dos anos, isso não me levou a ser ”um homem rico”, nem de perto nem de longe, procurei , isso sim ser um “ rico homem”, mas também não sei se consegui esse desiderato, já que isso não me compete a mim avaliar, mas sim a outrem. Mas nestas coisas do colecionismo encontramos por vezes coisas curiosas, situações que desconhecemos e que só a história de quando em quando nos traz à mente.
Como não quero ser acusado de plágio, pedi autorização ao Exmo Senhor Carlos Gomes, um expert na matéria para poder usar o seu trabalho sobre as cédulas fiduciárias, que durante o tempo de crise dos anos vinte circularam como moeda, autorização que gentilmente me foi concedida pelo referido Senhor o que eu agradeço.
E afinal o que são essas famigeradas CÉDULAS FIDUCIDÁRIAS?
As cédulas fiduciárias constituem desde há muito tempo um dos objectos de interesse de colecionadores e estudiosos, nomeadamente por todos quantos se interessam pela numismática e notafilia, a nossa história económica ou simplesmente os aspectos da vida regional.
Apesar disso, estamos convencidos que as cédulas produzidas não merecem ainda a atenção devida e são inclusive pouco conhecidas, apesar de surgirem alguns exemplares em leilões de colecionismo, (ultimamente muitas com a proliferação dos grupos de vendas de moedas e notas). É o Caso dos exemplares de 1> e 2 centavos da Câmara Municipal de Mangualde que reproduzo.
Regra geral, o aparecimento de tais cédulas verificou-se em momentos particularmente difíceis, de grave crise económica ou convulsão social, mormente durante a primeira Guerra mundial, em resultado do encarecimento dos metais e consequente escassez da moeda corrente de baixo valor indispensável a pequenas transações. Esta situação que levou ao aparecimento do chamado “dinheiro de emergência” constituído por cédulas, cuja emissão fora a princípio apenas autorizada à Casa da Moeda, mas que acabou por generalizar-se a inúmeras instituições oficiais e particulares, como Camaras Municipais, Misericórdias e até estabelecimentos comerciais.
Na cunhagem de moeda de reduzido valor facial, como sucede com as divisionárias geralmente utilizadas na realização de trocos, são entregues metais menos valiosos como o cobre, o alumínio o níquel ou ligas constituídas por aqueles a fim de que mantenham um valor nominal ao seu valor intrínseco, ou seja em relação aos metais entregues na sua feitura, sucede, porém, que quando ocorre uma fobia do custo daqueles metais, recorre-se à emissão de cédulas fiduciárias, a fim de evitar os elevados custos que a cunhagem das moedas implica em relação ao seu baixo valor nominal. Foi precisamente o que sucedeu nos finais do século XIX por ocasião de crise financeira resultante sobretudo da baixa do cambio brasileiro, facto que gerou uma situação de pânico traduzido em falências, suspensão de pagamentos, corrida aos bancos e o quase desaparecimento de circulação das moedas de ouro e também em consequência da desvalorização da prata que levou à falência do banco londrino Baring Brothers que tinha acabado de conceder um empréstimo de oitocentas mil libras ao Estado Português, facto que determinou a depreciação da moeda.
Também durante e Primeira República o crescimento da dívida externa com a Inglaterra resultante da participação na guerra e a inflação dá resultante associada à especulação com as divisas constituíram que determinaram a depreciação da moeda, mau grado as diversas tentativas feitas no sentido do seu controlo que levou nomeadamente à criação da Junta Reguladora da situação Cambial por ter existência efémera.
Com efeito a partir de 1914, o Governo autorizou a Casa da Moeda a emitir cédulas que se destinavam a substituir as moedas de cinco, dez e vinte centavos. Contudo, verificando-se que esta medida não era o suficiente para suprir a escassez de moedas então verificada, acabaram por ser autorizadas as Câmaras Municipais a proceder à sua emissão com curso legal dentro da área do respectivos concelhos. Esta prática viria, contudo, a generalizar-se com a emissão por parte de outras entidades nomeadamente as Misericórdias, tendo esse privilégio cessado em 1918, embora ainda surgissem em 1922 cédulas de 20 centavos.
O seu aspecto era bastante rudimentar emitidas em papel simples ou de cartão com as mais variadas dimensões, manuscritas ou impressas, embora gradualmente melhoradas no seu aspecto gráfico, acabando por revelar-se meios de propaganda turísticas e regional.
Só a partir de 1924 foi possível travar a depreciação do valor da moeda e desse modo ir progressivamente sendo reduzida a utilização das cédulas de ínfimo valor.
Mário Silva Sousa