OS ANIMAIS DOMÉSTICOS

juiz
Li num jornal diário, datado de 6 de Maio do corrente ano, uma notícia deveras insólita acerca de um acidente do qual foi vítima uma esteticista que “morreu devorada por um jacaré em casa de uma cliente a quem iria tratar das unhas”. O caso aconteceu na ilha de Kiawak, na Carolina do Sul, nos EUA. A esteticista “acabou por ser devorada pelo jacaré que a arrastou para o lago da casa”, quando ela se preparava para o fotografar.
Esta notícia levou-me a pensar na diversidade de animais que o ser humano tem procurado domesticar, desde a Revolução Agrícola, isto é, desde quando, há 12 mil anos, deixou de viver da caça e recoleção e passou a dedicar-se à agricultura. A domesticação poderia ter começado pelos animais caçados no estado selvagem e que o homem conservava para os utilizar mais tarde na sua alimentação em épocas de carência. Depois, teria capturado animais com outras finalidades.
A domesticação, segundo a definição do dicionário Larousse, consiste na transformação de uma espécie selvagem numa espécie sujeita à exploração por parte do homem, com o objetivo de lhe fornecer produtos ou serviços.
Os animais domésticos poderão ser divididos em quatro grupos, conforme a sua utilização: 1) animais destinados à alimentação; 2) animais de trabalho; 3) animais de utilização industrial; 4) animais de companhia. Muitos deles podem prestar mais do que um tipo de serviço, como, por exemplo, a vaca que, além de fornecer o leite e a carne para a alimentação, e matéria prima para a indústria, pode ainda ser utilizada no trabalho agrícola1.
Foi, na verdade, com o aparecimento da agricultura que o homem passou a coexistir com os animais domesticados; inicialmente apenas foram domesticadas cerca de 20 espécies, entre mamíferos e aves, o que era um número muito reduzido em comparação com a quantidade dos que permaneceram “selvagens”. Nos dias de hoje, os animais domesticados podem ascender a mais de 90%, desde os de grande porte, como os elefantes, até aos pequenos insetos, como as abelhas.
Atualmente os animais de companhia, ou de estimação, abrangem mamíferos, aves, répteis, anfíbios, peixes e invertebrados. Calcula-se que em Portugal existam 6,5 milhões de animais de estimação, sendo alguns bastante assustadores. Estes animais são o centro das atenções de certas famílias que quase chegam a considerá-los como fazendo parte das mesmas. Já tive ocasião de assistir a uma conversa entre duas senhoras em que uma falava do filho que havia dado à luz, enquanto a outra se referia à sua cadela, como se de uma filha se tratasse, sem que a sua interlocutora se tivesse minimamente apercebido de que falava do animal.
Esta relação simbiótica tem ultimamente merecido maiores atenções por parte do Estado. Foram introduzidas algumas alterações ao Código Civil e ao Código Penal com o objetivo de melhorar extraordinariamente a situação dos animais de companhia. Do Código Civil ressaltam desde logo várias alterações legislativas das quais destacaremos apenas algumas. A lei passou a definir os animais como sendo seres vivos dotados de sensibilidade e objeto de proteção jurídica em virtude da sua natureza. Na ausência de lei especial, são aplicáveis subsidiariamente aos animais as disposições relativas às coisas, desde que não sejam incompatíveis com a sua natureza. Em caso de lesão do animal, é o responsável obrigado a indemnizar o seu proprietário ou os indivíduos ou entidades que tenham procedido ao seu socorro pelas despesas em que tenham incorrido para o seu tratamento, sem prejuízo de indemnização devida nos termos legais.
Por sua vez o Código Penal passou a determinar que quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair coisa móvel ou animal alheios, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.
Parecendo estabelecer algum paralelismo com os filhos menores do casal, em caso de divórcio, os animais de companhia são confiados a um ou a ambos os cônjuges, considerando, nomeadamente os interesses de cada um dos cônjuges e dos filhos do casal e também o bem-estar do animal.
A preocupação com o tratamento que é dispensado ao animal ressalta ainda de uma outra nova disposição do Código Civil que determina que o proprietário de um animal deve assegurar o seu bem-estar e respeitar as características de cada espécie e observar, no exercício dos seus direitos, as disposições especiais relativas à criação, reprodução, detenção e proteção dos animais e à salvaguarda das espécies em risco, sempre que exigíveis.
Muito mais haveria para dizer, mas suponho que o que fica dito já é suficiente para concluir pela enorme transformação verificada em relação à exigência de cuidados que as pessoas devem dispensar aos animais domésticos.
1Cfr. Enciclopédia Luso-brasileira da Cultura