A importância da economia na saúde…

Ana Cruz
É inevitável o conflito existente entre salvar uma vida! Afinal qual o valor que uma vida tem? Todos temos vivências que nos enriquecem, uma que me marcou profundamente foi o exemplo de uma senhora que necessitava de uma cirurgia cardíaca e, segundo a sua perspetiva, foi recusada pelo diretor da Cirurgia Cardiotoráxica dos Hospitais da Universidade de Coimbra, na altura, Prof. Dr.Manuel Antunes. A senhora chegou aos Hospitais Civis de Lisboa através de um favor pedido a um médico especialista de Cardiologia, possivelmente através de uma consulta privada, que a internou no hospital onde existia cuidados intensivos de Cardiotoráxica. Na altura, eu tinha 20 e poucos anos e aquela descrição tão fria e simplista abalou-me. Se a senhora necessitava de uma cirurgia ao coração, porquê bloquear a sua vontade de viver? A minha visão ética e moral, colocava sempre o agora reformado Prof. Dr. Manuel Antunes como o vilão da história e absolvia de forma dedicada a senhora que arfava por cada pequeno esforço, por ter um coração em sofrimento físico perante a força exigida.
Anos mais tarde, ainda a trabalhar no mesmo serviço, uma colega comenta “Sabes por mais meios que tenhas, as doentes vão sempre ser doentes! Não aprendem com a doença!”. Questionei o porquê daquele desabafo tão inusitado, ao qual retorquiu “Acredito que todos temos de ter direitos, incluindo o da saúde! Mas agora pergunto-te, as pessoas dão valor à saúde que repomos?”. Repor a saúde?
Ao contrário que muita gente pensa, existem enfermeiros com um manancial de conhecimento académico de gestão e economia, mas que nunca puderam expor-se com receio de represálias ou retaliações de superiores ou decisores políticos que apenas reconhecem esse papel aos médicos. Pois a surpresa que tive, foi que a colega tinha realizado uma pesquisa de utentes que foram submetidos uma angioplastia coronária (desbloquear\desentupir uma artéria) ao coração, que era 4 vezes menos dispendiosa que uma cirurgia cardíaca. Os resultados eram visivelmente desencorajadores, porque cerca de 60% das pessoas tinham recuperação para a vida ativa profissional em menos de 1 mês, mas tinham uma recaída no espaço de 1 ano. Também concluiu que em 3 anos aquelas pessoas iriam falecer por não seguirem, novamente, a medicação e os cuidados de manter a saúde!
“Sabes que um doente que passa por uma cirurgia cardíaca cumpre melhor os cuidados com a sua saúde do que estes que mostrei? Como a recuperação demora 2 a 3 meses, até ser capaz de reiniciar a vida ativa ou profissional, a memória que fica é que mais vale prevenir que remediar! Afinal o sofrimento sempre tem um objetivo, né?”
Em primeiro, fiquei impressionada com o rigor dos dados e a leitura dos mesmos, depois fiquei indignada por todo aquele conteúdo não estar a ser utilizado para melhor eficácia do serviço! Quem toma as decisões devia de empregar aqueles gráficos e estatística para atingirmos melhores resultados! Eis que percebi a importância da economia da saúde!
Nós, seres racionais que somos nunca estamos satisfeitos como o que temos, mas os recursos\meios para satisfazer as nossas necessidades são finitos\ limitados. A escassez resulta numa escolha, e eis a questão: como escolher uma vida em relação a outra?
Na altura, esta questão seria deontológica ou ética, mas nunca económica! Nunca se punha em questão o quanto era viável a sobrevivência de uma pessoa para a sociedade, porque a vida é inquestionável! Aliás nem se questionava se os serviços de saúde estavam bem distribuídos pelo país afora. Tudo estava (e ainda está…) concentrado na capital, Lisboa e no litoral. Quem vivesse no interior de Portugal via a distância de um hospital ou centro de saúde como uma certeza de inferioridade de qualidade de vida.
E mais uma vez recordo a tal senhora que recorreu a Lisboa para ser, misericordiosamente, operada. Foi operada, teve uma recuperação muito complicada, porque não cumpriu a medicação que devia de fazer… De fato, a pessoa que era o vilão da sua história tinha realizado um compromisso com a senhora, meses antes da sua recusa ao opera-la. O Prof.Dr. Manuel, disse que se controlasse o seu excesso de peso, a sua diabetes, a sua hipertensão, a sua cirurgia estava garantida. Três meses depois nada tinha mudado e o “vilão” teve de tomar uma decisão com base na evidência! Investir para ter ganhos na saúde!
A população está tão acostumada a não se responsabilizar pelos seus hábitos e rotinas, considerando que as suas ações individuais efetivas não influenciam a sua saúde. Perante este pensamento estão a esgotar recursos de forma descontrolada, criando um rombo no orçamento na área de Saúde, em que o Estado\ Governo têm que limitar a distribuição dos cuidados de saúde.
A história relatada foi verídica, quanto à senhora desconheço se ultrapassou os 15 anos de sobrevida preconizados pelo benefício da cirurgia cardíaca.
Apenas sei que todos os contribuintes tiveram que descontar para a cirurgia cardíaca, na altura 25 mil contos que equivalem 125 mil euros de agora. E que uma angioplastia podia chegar aos 5 mil contos, a que equivale 25 mil euros. Afinal qual o valor de uma vida? Afinal quem decide o investimento na saúde coletiva?