SAGRADA ESPERANÇA

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AI, SE EU SOUBESSE?!… 
O passado é o passado e eu sou a pegada que deixo neste pó quando passo a caminho do infinito. São sempre conceituosas as nossas expressões, trazem a si agregadas a base de fundos pensamentos que são como o vento que embalou um coração e de ternuras nos fez chorar numa noite de soluços e logo rejuvenesce numa florida aurora que nos espreita entre névoas de íntimo fulgor. O homem passa pelo mundo mas a recordação é irmã da memória . Ai, se eu soubesse quando era menino que a verdadeira vida adulta era um permanente desafio, teria brincado tanto, tanto todo o dia, teria falado com os passarinhos num profundo diálogo, idealizado e vivido mais imagens de doces quimeras, enchido a alma da intimidade de profundos mistérios, vagueado aventuras no assombro de quem viu milagre ou maravilha de vozes sem lábios e formas intangíveis num sonho embalável ao sabor do vento, como flor de natureza frágil contemplaria embevecido um horizonte que manda um sorriso de luz e de candura, ter-me-ia deliciado com o perfume na flor que desabrocha como vagido de névoa em lábios de água, teria sido livre como avezinhas chilreantes que em sobressaltos trémulos voando se escondem nos ramos, dormido nos silêncios vivos e deslumbrados de ternura das árvores que choravam com uma ardente febre sublimada. Ai, se eu soubesse, ter-me-ia sujado mais de lama , pisado doces musgos e ásperas urtigas num ímpeto de vida inconsciente, jogado a bola à chuva que caía em longos veios de água que murmuravam sons de prata e de frescura, ou tomado banho em nevoeiros de lágrimas que o vento espalhava no ar e com a alma cheia em velhas tardes que ao longe se incendeavam admirado os raios de sol que as fontes evaporavam levando para Deus as suas mágoas. E soltando figuras emanadas do meu pensamento ouvindo a minha voz num murulhar de águas, num murmúrio que saía das pétalas a abrir nas ondas de uma fonte onde meus lábios poderiam mergulhar , ainda sinto a boca salivante e os lábios húmidos daqueles jantares de eterna essência, os sossegos daquelas ceias na velhinha casa dos meus avós em que era tudo sentimento e mesmo sabendo que a morte toca em todos os lares teria ficado com eles mais tempo a alvorar sonho de segredo hoje gravado a lágrimas no céu com olhos marejados de esperança. Ai, se eu soubesse que quando fosse adulto a minha saudade rústica me rasgava as entranhas de sombras e aparências baças e a túrbida tristeza que nos veste de penumbra o coração de dores que nosso espírito lampejam, teria brincado mais a jogar o pião, o berlinde, as caricas, arremessar a bilharda, montado mais aviões e barcos de papel. Ai, se eu soubesse que a amizade da infância é a mais pura e sincera teria brigado menos e abraçado mais, teria dito a cada amigo quanto gostava dele apesar de todos os nossos defeitos. Ai, se eu soubesse que a verdade é sempre incerteza e a mentira uma regra teria sido ainda mais puro e inocente, ouvido mais histórias para dormir contar e sonhar. Mas da morte do sol nasce a lua e dos momentos alegres vividos no decorrer da vida nasce a saudade e sob o clarão enfiado do sol que se esconde e se consola um desgraçado quando tem quem lhe escute o mal que sente. Ai, se eu soubesse que um dia tudo acabaria como poeira que ergue tuas saias com rendas de alvorada em nossos caminhos, teria guardado todos esses momentos só para mim. Ai, se eu soubesse (sobem-me as lágrimas aos olhos) que um dia não teria pai e mãe teria repousado mais no aconchego do colo de minha mãe , abraçado e segurado com mais firmeza a mão de meu pai. Ai, se eu soubesse o que iria acontecer amanhã , o que faria hoje?!… Seria a mesma pessoa?!… 
Ninguém pode voltar atrás nem saber antes de saber.