SANFONINAS

dr. jose
Eu sou… o quê?...
Escrevo ainda na euforia da vitória de Portugal sobre a França, porque não me é possível deixar de sublinhar o imenso carácter inventivo do nosso Povo. Hoje, segunda, 11, chovem a cada segundo os ditos, os chistes, os cartuns, cada um mais original que o outro, de nos fazer rir a bandeiras despregadas, perante o mau perder dos Franceses (nem sei se deveria escrever com maiúscula – o que é que diz o Novo Acordo Ortográfico?)…
O que se inventou para explicar porque é que a Torre Eiffel, primeiro iluminada com as cores gaulesas e não com as portuguesas e, pouco depois, ficara imersa na escuridão não lembraria a ninguém – e não se fala mais no assunto. Mas, claro, ficou-nos de emenda, porque ainda temos bem presentes as imagens de quantos portugueses (e foram milhares!...) não hesitaram em pôr no seu perfil do Facebook: «Je suis Charlie» ou, com a bandeira francesa por fundo, «La France sommes nous». Pois…
Quando visitou a Expo’98, o presidente Jacques Chirac admirou-se de não ver aí o francês como língua oficial. Explicou-se-lhe que já pouca gente compreendia. E quando, a 3 de Maio de 2001, num seminário ao mais alto nível no Instituto Franco-Português, em Lisboa, se debatia o decréscimo do uso da língua francesa, eu perguntei a quem representava, na ocasião, o departamento de promoção da língua que receitas nos trazia de Paris.
– Nenhumas! São os senhores que devem pensar nisso! – respondeu-me.
Pois não pensámos.
São inúmeros os livros e os filmes sobre a emigração portuguesa para França, a salto, nas décadas de 50 e 60, e rara será a família que não tenha parentes em França, de várias gerações já. Foi, porém, Júlia Néry uma das primeiras a tratar literariamente o tema. O seu livro «Pouca terra… poucá terra…» (Edições Rolim, 1984) termina desta forma, que ora, 32 anos depois, obviamente, dadas as circunstâncias, me dispenso de comentar:
« – Quando o desemprego se vislumbrar, muitos franceses começarão a ver o emigrante com maus olhos… quererão pô-lo na fronteira… poderá começar uma nova forma de racismo… E depois?
[…] Só quando o comboio parara em Vilar Formoso, Leonor encontrara dentro de si a resposta a dar a Cathy:
– E depois muitos filhos de portugueses nasceram já em França e alguns optam pela nacionalidade francesa.
E depois, minha amiga Francesa, nós entraremos pelo vosso sangue, pela vossa Língua, pela vossa História, pelos vossos hábitos, que o português é semente que em qualquer terra dá fruto…» (p. 161).