FUTEBOL PORTUGUÊS: CONTRIBUTO PARA A SUA COMPREENSÃO

ENGº AGNELO ATUAL

Vai por aí uma enorme agitação motivada pelos recentes fenómenos da arbitragem no futebol português. Chega-se a fazer acusações ao Benfica, argumentando que este clube manipula os árbitros dando-lhes prendas diversas para que venha a ser beneficiado.
Rejeito completamente estas ideias!
Reconheço que sim, que existe um problema sério no futebol português, mas recuso-me a acreditar que exista algum esquema ilícito por parte do Benfica.
Ao longo deste texto, tentarei expor o meu pensamento sobre esta problemática. Assim:
Pense nos seus amigos; nas pessoas que conhece; nas que encontra no trabalho ou no café. Pense nas preferências clubísticas de cada um deles; quais são os clubes de que são adeptos? Pense…
Provavelmente terá concluído que a maioria dos seus amigos e conhecidos é adepta do Benfica. E não precisa de se espantar, já que é o próprio clube, o Benfica, que reivindica “mais de 6 milhões de adeptos” em Portugal. E “mais de 6 milhões” significa cerca de 70% da população portuguesa. É obra! Mas é a pura verdade. Em qualquer cidade, vila ou lugarejo, a maioria das pessoas é benfiquista. De resto, uma recente sondagem veio mostrar que na própria cidade do Porto a percentagem de benfiquistas é superior à de portistas. A hegemonia do Benfica, ao nível dos adeptos, é indiscutível e esmagadora!
Este é um fenómeno especificamente português. Nos mais representativos países europeus não existe qualquer clube que tenha uma representatividade nacional semelhante à do Benfica em Portugal; em Espanha, por exemplo, o Barcelona é hegemónico na Catalunha mas poucos adeptos tem nas outras regiões, sucedendo algo semelhante com o Real Madrid; em Inglaterra, os adeptos do Manchester United são, essencialmente, da sua região e, mesmo assim, dividem os apoios com o City; só na cidade de Londres há o Arsenal (o clube inglês com mais sócios), o Chelsea, o Tottenham, o West Ham, o Fulham, o Queens Park Rangers e o Crystal Palace, só para referir os que militam na primeira liga; na Alemanha, na França e na Itália sucedem fenómenos semelhantes, isto é, os clubes são eminentemente regionais, quando não apenas locais, e não há nenhum que tenha um cariz “nacional”.
Em Portugal, como já teve oportunidade de conferir, acontece o contrário; há um clube que tem um esmagador apoio a nível de todo o país: o Benfica! Importa dizer que o actual presidente do Benfica tem levado a cabo uma acção de promoção do clube, com forte uso dos media, que o fez crescer notoriamente ao nível do apoio popular. Note-se, a este propósito, que o Benfica já foi o clube com mais sócios a nível mundial e que, mesmo depois de eliminados os mortos, ainda é, salvo erro, o terceiro maior! Um portento, portanto.
Podemos, agora, pensar em extractos da população portuguesa; pensemos, por exemplo, nos funcionários públicos, que representam uma amostra aleatória da população. Pois é, cerca de 70% dos funcionários públicos serão benfiquistas. E os deputados da Assembleia da República? Não tenha dúvidas: 70% são do Benfica. E os médicos e os juízes? Claro, 7 em cada 10 será benfiquista. E os jornalistas? E os comentadores? E os analistas de jogadas, aqueles que nos jornais e nas TV nos “explicam” porque é que um penalti foi bem ou mal assinalado? E os… ? Exacto! Em qualquer estrato ou amostra da população haverá a mesma percentagem de benfiquistas.
E os presidentes dos clubes de futebol portugueses? Olhe, um dia destes tive ocasião de conversar com o presidente de um clube de futebol que está a disputar a primeira liga. Disse-me ele: “Eu quero que o Benfica ganhe sempre, menos quando jogar com o meu clube!”. E, bem vistas as coisas, isto é natural; é que os presidentes dos clubes não deixam de ser portugueses como todos os outros, logo, a probabilidade de serem benfiquistas andará nos tais 70%.
Nesta altura da minha prosa, o leitor estará a pensar nos árbitros portugueses de futebol. E muito bem. Naturalmente, 70% deles serão benfiquistas. Mas calma; destes muitos árbitros, só alguns, muito poucos, ascendem à primeira categoria, isto é, muito poucos chegam a arbitrar jogos da primeira liga. Até lá chegarem têm de passar por um processo de selecção. Como é que se faz essa selecção? Ora bem, os árbitros são observados durante os jogos, são pontuados e é em função da pontuação, sobretudo, que vão subindo os vários degraus da sua carreira. E quem os pontua? Os observadores. Quem são estes? São pessoas nomeadas pelo Conselho de Arbitragem. E como aparece este Conselho de Arbitragem? Apresentam-se listas candidatas à eleição. E quem vota? Muita gente; representantes dos sindicatos de jogadores, de médicos desportivos, de enfermeiros/massagistas, dos próprios árbitros, da Federação de Futebol, da Liga e até os presidentes e representantes dos clubes de futebol; muita gente, como bem se vê. Bom, mas estas pessoas são todas portuguesas; constituem uma amostra da população portuguesa e, portanto … são maioritariamente benfiquistas. Assim, em condições normais, a lista que vence as eleições para o Conselho de Arbitragem será aquela que mais agrade aos benfiquistas. É óbvio. E, assim sendo, os árbitros que cheguem à primeira categoria serão aqueles que tiverem obtido as melhores pontuações, isto é, tenderão a ser os que mais tiverem agradado aos observadores que, recordemos, são nomeados pelo Conselho de Arbitragem. Desta forma, tenho sérias dúvidas que algum árbitro não benfiquista consiga estar hoje na primeira categoria. E isto sem que haja qualquer cabala, ou esquema ou complô. Nada disso. Trata-se, tão só, da consequência de o Benfica ter uma base de apoio esmagadora em Portugal, que se estende por todos os sectores da nossa sociedade.
Isto também é verdade para todos os outros órgãos e estruturas da Federação e da Liga. Todavia, irei focar-me na Arbitragem. Porquê? Porque, ao contrário do que acontece em muitas outras modalidades, os árbitros desempenham um papel decisivo no futebol.
Pensemos no ténis: há um árbitro de cadeira e oito auxiliares; todavia, nos torneios profissionais, quando existe uma jogada que suscite dúvidas a um dos jogadores, ou ao próprio árbitro, recorre-se a um sistema de vídeo, o Hawk Eye, que desfaz peremptoriamente qualquer dúvida. Mas não só no ténis se recorre a meios auxiliares. No football americano - e tive ocasião de o testemunhar na última final do Super Bowl - o árbitro, perante uma jogada duvidosa com resultado relevante, pára o jogo e manda visionar a jogada num ecrã gigante. E ninguém fica com dúvidas.
Ora, no futebol não é nada assim; não é permitido o recurso a dispositivos automáticos e independentes; as decisões têm de ser tomadas instantaneamente; o árbitro é obrigado a decidir instantaneamente. Contudo, à velocidade com que hoje se joga, é muito difícil ter sempre uma visão clara e inequívoca de todas as jogadas; muitas vezes haverá dúvidas na mente do árbitro; “terá havido contacto?”; “aquele toque terá tido intensidade para fazer cair o outro?”; “o braço cortou a bola mas terá havido intenção?”; etc. Serão muitas as dúvidas mas o árbitro tem de decidir naquele exacto momento.
É aqui que entra o subconsciente; numa situação de dúvida emergente, a probabilidade de decidir segundo o subconsciente é elevadíssima; é que, no íntimo de cada um de nós, o que queremos é que a nossa equipa ganhe e que as nossas rivais não ganhem. Assim, as decisões emergentes em lances duvidosos tenderão a ser ditadas pelo subconsciente dos árbitros. E já vimos qual o clube do coração da maioria dos árbitros…
Por vezes, nem é necessário haver uma situação de dúvida. Ainda recentemente vi - e o árbitro também viu - um jogador do Benfica, dentro da sua grande área, receber a bola com um braço, ajeitá-la com o outro e lançar um contra ataque que redundou em golo.
Portanto, como corolário do que acima escrevi, resulta uma conclusão para mim evidente: o Benfica tenderá a ser beneficiado, enquanto os seus rivais directos tenderão a ser penalizados, nos jogos das diversas competições arbitradas por árbitros portugueses. Isto é, só em circunstâncias excepcionais o Benfica não vencerá todas as competições em que participa em Portugal!
Nesta altura, vários leitores estarão a perguntar: então e o Porto?
De facto, o FC Porto dominou as competições portuguesas de futebol durante um determinado período de tempo. Tal ficou a dever-se, na minha óptica, a dois factores principais: em primeiro lugar, à qualidade das equipas que o Porto conseguiu formar, inegavelmente superiores às dos rivais. Esta qualidade que refiro foi sancionada - para tirar qualquer dúvida - a nível internacional. Basta lembrar que o Porto venceu duas Ligas dos Campeões Europeus numa altura em que o nível do futebol já não tinha nada a ver com os tempos recuados em que o Benfica também se afirmou na Europa. Esta foi a primeira razão para o sucesso do Porto. A segunda terá sido o alegado esquema de condicionamento da arbitragem portuguesa, o que veio, inclusivamente, a dar origem a inquéritos judiciais. Foi um tempo que muito dificilmente voltará.
Repare o leitor que estou aqui a escrever sobre futebol e que ainda não utilizei uma única vez a palavra “desporto”. Fi-lo porque, na minha opinião, o futebol português tem muito pouco de “desporto”. Hoje, o futebol é, essencialmente, um espectáculo à volta do qual giram quantidades astronómicas de dinheiro. São compras e vendas de jogadores, comissões, contratos de publicidade, direitos de imagem, direitos televisivos e eu sei lá que mais. E tudo isto representa milhões e milhões que são repartidos pelos diversos intervenientes, desde os jogadores aos agentes desportivos e aos clubes. Por outro lado, esta sede de dinheiro provocou a necessidade de os clubes fazerem investimentos que, na maior parte das vezes, se revelaram ruinosos. Como resultado, a maioria dos clubes portugueses tem passivos – leia-se “dívidas” - enormes. São essas dívidas, em muitos casos monstruosas, que mantêm o futebol, e não o desporto e a competição.
Efetivamente, se fosse apenas uma questão de “desporto”, haveria diversos clubes que abandonariam a modalidade. Isto poriam a questão: “Para quê competir se a probabilidade de o Benfica não vir a ganhar é quase nula?” O Sporting e o Porto sabem bem desta premissa. Mas poderiam abandonar o futebol? Não! O presidente que tomasse essa decisão ver-se-ia sufocado pelos credores, veria os seus bens pessoais arrestados e, eventualmente, até seria preso. Por isso, apesar de conhecerem a realidade, não têm forma de a alterar, vendo-se obrigados a alinhar no simulacro do desporto.
E assim continuará o pseudo desporto do futebol português por muitos e muitos anos. Até quando?