Hoje, o café teve de esperar!

dr. jose
Hoje, 25, o sábado acordou nublado, pardacento. Sem sol, a contrariar o dito popular. Eu trouxera para baixo, do pequeno-almoço, a malga onde, ao longo da semana, fôramos acumulando migalhas e espalhara-as por sobre a lioz do murete poente do jardim, sob a buganvília, ora ainda parca de flores, e junto ao jasmim, que promete ser alvacento festival florido na semana que aí vem.
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Inesperada companhia
Não esperávamos, porém, ter um almoço assim.
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Saboroso, o «bife à cavaleiro», muito mal passado, como recomendáramos à Paula; mas o inesperado foi a companhia. É que eles descobriram, nessa altura, as migalhas espalhadas pelo murete e foi um encanto de ver! O casal de rolas à compita, quem debica mais. Por entre elas, quase a medo, o pardal. E digo «o», porque se me afigura ser sempre o mesmo que nos visita. A janela da cozinha onde almoçamos dá para esse lado do jardim e pudemos, por isso, apreciar o vaivém. O pisco, de papo alaranjado, já nosso conhecido de há muito, veio juntar-se-lhes e aproveitava uma distracção dos outros para ir também debicar. E veio o melro, mais altivo, mais desconfiado, este com algumas penas brancas no pescoço que quase nos fez desconfiar se seria melro mesmo; mas era, com o bico amarelo e o ar apresentado no debicar, ao contrário dos outros, mais familiarizados com o ambiente, que debicavam de mansinho, na certeza de que, àquela hora, ninguém viria pôr carros na praceta e incomodar-lhes o repasto. Do que eu gostei mais desta vez foi da toutinegra: comeu, saltitou de ramo em ramo, como fizera o pisco e foi-se até ao bebedouro do canteiro. Bebericou e – zás! – atirou-se lá para dentro, saracoteando-se toda. Subiu para um tronco, sacudiu-se e, de novo, foi prá água!...
Gostámos, confesso, da companhia, neste privilegiado princípio de tarde calma, sem barulho de carros na avenida nem sirenes de ambulâncias. A serenidade.

Sim, o café teve de esperar…
… porque o Alta Definição era com um gigante que muito estimamos: Ruy de Carvalho.
Conversa tranquila, como Daniel de Oliveira sabe manter. A evocação de uma vida onde as dificuldades não faltaram, mas a esperança sobrou; onde a ternura, a boa disposição, o respeito total pelos outros foram semeando – continuam a semear!... – simpatia a jorros.
E hoje, a poucos dias de completar 90 anos, Ruy de Carvalho foi mais uma lição e, tranquilamente, ia-nos dando conta do que foi, do que é, do que ainda espera continuar a ser…

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«Amar é envelhecermos juntos».
«É sempre o amor que nos salva».
«Gostava de poder semear a doença do bem e do final da dor».
«Todos os anos passo o dia da minha morte».
«Como gostava que me lembrassem? ‒ ‘Que o Ruy foi realmente útil quando cá passou!’»…
Só largos momentos após a resposta à pergunta sacramental «O que é que dizem os seus olhos?», é que nos apercebemos de que ainda não bebêramos o café!...
José d’Encarnação