A PENA CAPITAL

DR, JORGE
Quem vê o filme intitulado “Silêncio”, de Martim Scorsese, não pode deixar de meditar sobre os perigos que os cristãos tiveram de enfrentar no Japão quando as forças do Shogun, no século XVII, torturavam os cristãos que pretendiam difundir o Cristianismo naquele País. Através de um sofrimento atroz procuravam levá-los à apostasia.
Sem querer imiscuir-me nas questões da fé que o filme principalmente suscita, não pude deixar de pensar também na violência dos castigos infligidos a quem não queria abjurar e de compará-los com as penas aplicadas noutros tempos.
Na verdade, essas formas de tortura fazem-nos recordar as penas que foram aplicadas aos delinquentes durante muitos séculos. Referimo-nos essencialmente à pena de morte sob as mais variadas formas, denominada também pena capital. A palavra capital tem origem no termo latino “capitalis” que significa “referente à cabeça”, em alusão à execução por decapitação, embora muitos outros modos de execução tenham sido imaginados.
A pena de morte foi adotada por quase todos os povos. Enquanto os Hebreus procediam à decapitação, em Atenas o condenado à morte era decapitado, estrangulado ou, na maior parte das vezes, obrigado a beber um veneno, a cicuta. Como é consabido, Sócrates (o filósofo grego) foi executado por este processo. Em Roma, além do enforcamento, existiu uma grande variedade de suplícios, os quais tinham alguma relação com os crimes perpetrados. Assim, o incendiário era queimado vivo, o parricida era cozido vivo num saco e depois lançado ao mar.
Em França, até à Revolução, aplicava-se a decapitação aos nobres, a forca aos plebeus, a fogueira aos feiticeiros, a roda, o esquartejamento, etc. A partir da Revolução, a única modalidade aplicada era a decapitação pela guilhotina. Este aparelho tinha armação de 4 metros de altura, no qual era suspensa uma lâmina losangular com cerca de 40 Kgs de peso, e foi inventado pelo médico francês Joseph-Ignace Guillotin (1738-1814), que considerava este método de execução mais humano que o enforcamento ou a decapitação com um machado. A guilhotina era, pelo menos, um modo de execução mais rápido e certeiro e, pela sua brevidade, causaria menos sofrimento.
A decapitação foi muito comum na Idade Média, constituindo ainda hoje a sanção aplicada, em alguns países, aos crimes sexuais como estupro, adultério, incesto e sodomia, assim como apostasia (renúncia formal à religião do Estado) nas nações islâmicas.
Séneca, na sua obra Cartas a Lucílio, refere-se a um tipo de desgraça que “ocorre entre grande alarido, faz a sua aparição entre armas, chamas, cadeias e bandos de feras treinadas para rasgar aos homens as entranhas”. E prossegue: “imagina, neste momento, o cárcere, as cruzes, os cavaletes, os ganchos, o pau que atravessa todo o corpo e acaba por sair pela boca, os carros lançados em direções opostas que despedaçam os membros, a célebre túnica revestida e entretecida de matérias inflamáveis e tudo o mais que a crueldade foi ainda capaz de inventar”. Os ganchos referidos eram os que se usavam para arrastar os corpos dos supliciados até junto às Gemoniae scale “as escadas dos gemidos”, de onde depois eram lançados ao Tibre.
Muitos foram, na verdade, os processos de execução inventados, entre os quais destacaremos:
Enforcamento, serrote, cadeira elétrica, fogueira, roda, estrangulamento, empalamento, esfolamento, inanição, mesa de esventramento, afogamento, apedrejamento, arrancamento de membros, câmara de gás, enfossamento, esmagamento, flechas, fuzilamento, injeção letal, perfuração do ventre, precipitação de um monte, retalhamento, vergastação, etc.
Como facilmente se verifica, os métodos de execução eram, uns mais do que outros, de requintada barbárie. Certamente repugnavam a muitas pessoas, as quais se foram insurgindo contra a pena de morte.
Em Portugal foi criada uma comissão de legislação que emitiu parecer no sentido de que “pôr o cadáver do justiçado sobre o cadáver do assassinado não ressuscita este nem aperfeiçoa aquele. As lágrimas da família do assassinado não se enxugam com as lágrimas da família do justiçado, nem com todo o sangue dele. Vingança não é justiça. A sociedade não aproveita com juntar-se uma morte a outra morte. A justiça ofende-se tanto com a primeira como com a segunda”.
Foi com o movimento liberal que se caminhou no sentido da sua resolução definitiva. Na Constituição de 1822 proclamava-se a abolição das penas cruéis e infamantes, mas nada se dizia acerca da pena de morte. Porém, a Reforma Judiciária de 1832 introduziu a possibilidade de recurso à clemência régia.
A pena de morte para os crimes políticos veio finalmente a ser abolida em 1852, em Ato Adicional à Carta Constitucional de 5 de Julho, sancionado por D. Maria II.
Em 1867, por proposta do Ministro da Justiça, Augusto César Barjona de Freitas, Professor de Direito na Universidade de Coimbra, foi abolida a pena de morte para os crimes civis, exceto por traição durante a guerra. Em 1911 foi abolida para todos os crimes incluindo os militares. Em 1916 foi readmitida a pena de morte por traição em tempo de guerra, mas em 1976 a abolição passou a ser total.