REFLEXÕES

PATRIMÓNIO CULTURAL (13)
CITÂNIA DA RAPOSEIRA
À medida que vou recordando um pouco do que foi o dia – a- dia de escavações neste sítio arqueológico, sinto que devo recuar um pouco no tempo e vou situar-me nos anos anteriores a 1970, quando a nível universitário a área da Arqueologia não era preponderante. Havia o Curso de História e quem se aventurava na pesquisa arqueológica eram os sonhadores que para além da História poderiam ter o curso de Arquitectura em que era integrada a História de Arte. Também apareciam outros académicos que sendo advogados ou médicos ou de qualquer outra especialidade tinham paixão pela investigação na área da Arqueologia. Digamos que no anterior regime não havia grande interesse neste ramo do Saber e quem se dedicava a ele era por curiosidade, por vontade de encontrar vestígios comprovativos da existência de outros povos e outras culturas em determinado território, digamos por Amor à investigação. No entanto, no início de 70 começou a sentir-se uma outra exigência cultural, que se veio a afirmar depois da revolução. Não havendo especificamente um curso de Arqueologia ele saía do curso de História (e o mesmo acontecia com o da História da Arte) em que o último ano era designado Variante de Arqueologia e cujo programa de alguns meses se debruçava especificamente nesses estudos o que em abono da verdade significava muito pouco para o vasto panorama desse saber.
Também a nível Municipal, até 70, não havia nenhuma motivação para este tipo de actividades. Nem se apercebiam que o seu concelho poderia possuir testemunhos valiosos dum Património Cultural cujo conceito não era ao tempo entendido, nem tão pouco se conhecia um Inventário dos bens culturais concelhios. Foi preciso, sem dúvida, haver a revolução em 74 para que largas áreas da Cultura ganhassem preponderância e o seu lugar no Futuro. Para lá duma grande reorganização dos cursos universitários que abriram horizontes a outros ramos do Saber também nos diversos Ministérios se desenvolveram políticas abertas nomeadamente à Investigação nos mais variados sectores da actividade nacional estendendo em muito casos essas directrizes também ao poder autárquico. Mas só em 1999 a Arqueologia ganhou asas próprias deixando de ser uma simples extensão da História e passando a ser um Curso com licenciatura própria. Também a nível ministerial se processaram grandes alterações criando-se em 1980, um organismo que se revelou essencial na organização e estudo de diversas áreas culturais do País- o Instituto Português do Património Cultural ( IPPC ). Os ministérios iam-se reformulando aceitando novos conceitos, passou-se tempo a alterar normas e orientações. Também na área da Arqueologia se processaram profundas alterações criando os Serviços Regionais de Arqueologia da zona Norte, Centro e Sul os quais desenvolveram um trabalho meritório tanto a nível científico como no desenvolvimento e apoio a um número considerável de sítios por todo o Pais com projectos de investigação. Foram alguns anos excelentes em que houve um apoio concreto e salutar a inúmeros trabalhos de escavações, cujos testemunhos ainda hoje perduram mais ou menos conservados e protegidos. Mas como se verificava em muitos outros Ministérios também o da Cultura estava frequentemente a sofrer alterações na sua orgânica, nem sempre positivas. Daí que, quando menos se esperava, os Serviços Regionais foram extintos e com tal decisão se arrasta um rol de verdadeiros desastres se reflectirmos no imenso espólio arqueológico tanto objectos, como outros valores e documentos que foram arrastados neste dilúvio. Más decisões, muito más, fruto não se sabe de que forças obscuras ou ervas daninhas que avançaram sem um Norte.
Dezembro 2020