HISTÓRIAS DENTRO DA HISTÓRIA

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O XAILE
É há séculos peça de vestuário transversal á vida das mulheres. Agasalha instintos maternos de semente que germina, marca nascimentos, eventos públicos, festas de gala, lutos e dores. Navegou por mares e oceanos até chegar a Portugal como peça rara, num fumo de ansiedade era muito procurado, o xaile de Caxemira por todas as damas elegantes numa disputa frenética e até á margem da lei, no contrabando, trazidos como prendas valiosas para suas esposas e filhas pelos viajantes das longínquas paragens do oriente. Era uma peça de luxo apenas ao alcance de alguns privilegiados. Os primeiros xailes que foram importados, simbolizavam estatuto social e económico apenas ao alcance de algumas bolsas mais abastadas. Eram sinal de riqueza. No início do século XX, disfrutando o nosso país de um conjunto de circunstancias sócio-económicas favoráveis, o xaile chega ás camadas populares, tornando-se acessível e contribui imenso para o desenvolvimento da industria. A mulher camponesa que com a enxada abrandece a terra dura, ou de cajado na mão pastoreia o gado no monte, sempre teve o hábito tradicional de usar pelas costas uma espécie de agasalho servindo-lhe uma saia dobrada, uma capa, uma capucha, capoteira ou mantéu, tendo finalmente aparecido o xaile. A sua preferência decorre do facto de ser prático no uso diário, permitindo maior amplitude e liberdade de movimentos. Resiste ao desgaste do tempo, torna-se mais durável. O xaile de lã, o mais habitualmente usado pelas pessoas do campo, além da sua durabilidade e reduzida manutenção, fácil de limpar é lavado todos os anos no tanque público, seco no arame estendido no quintal e arrumado na arca de madeira, salpicado com bolas de naftalina para afastar a traça. A mulher do campo envolvia-se no seu xaile para esconder a pobreza do seu trajar, mas como viçosa paisagem que o sol ama em brando sonho, e que a transparência e a alegria da sua vida quotidiana fatalmente lhe conferiam numa majestosa e assoberbada dignidade. Muito prático para uma saída á rua. Na lavoura colocavam-no em triângulo, pelas costas, que lhes deixava os braços livres para o trabalho e simultaneamente lhe tapava o frio gélido dos invernos rigorosos com cheiros de tristeza e melancolias puras. Xailes de festas e romarias eram considerados um luxo e jóia de família sendo transmitidos como herança de mães para filhas.
E o fado nas suas vozes mais cristalinas e quadras sentimentais não o esqueceu e o exalta com muita justiça e com o sentir do coração o elogiou e cantou:
O xaile de minha mãe
Que me aqueceu com carinho
Mais tarde serviu também
Para agasalhar meu filhinho

Com suas franjas brincava
E dormia docemente
Quando minha mãe cantava
A s canções da antigamente

Diz meu filho com amor
Nem um manto de rainha
Para mim tem mais valor
Que o xaile da avozinha

Não há relíquia mais linda
Que o xaile dos meus afectos
Quem sabe se serve ainda
Para agasalhar meus netos

A ambição desmedida
Que a minha alma contém
Era vê-lo toda a vida
Aos ombros de minha mãe