A IGUALDADE ENTRE AS PESSOAS

juiz
Atualmente ninguém põe em causa que todos os cidadãos têm a mesma dignidade e são iguais perante a lei.
Trata-se de um princípio consagrado no nº 1 do artigo 13º da Constituição da República Portuguesa. Mas nem sempre assim foi.
O Código de Hamurabi, considerado a mais fiel origem do direito, foi compilado na Babilónia (atual Iraque) cerca do ano 1772 a. C. e continha 282 artigos. A Babilónia era a maior cidade do mundo. O Império Babilónio “dominava a maior parte da Mesopotâmia, incluindo grande parte do moderno Iraque e parte da Síria e do Irão atuais”. Com esta compilação, o rei Hamurabi pretendia apresentar-se “como o modelo de um rei justo, servir de base a um sistema legal mais uniforme”. Hamurabi começa por afirmar-se nomeado pelos deuses Anu, Enlil e Marduk “para fazer com que a justiça prevaleça sobre a Terra, para abolir os perversos e maus, para impedir os fortes de oprimirem os fracos”.
Apesar de afirmar que pretende impedir os fortes de oprimirem os fracos, privilegia precisamente os fortes nos diferendos entre as duas classes.
Do Código sobressai a lei de talião. Assim, o artigo 196º determina que se um homem de classe superior cegar o olho de outro homem de classe superior, deverão cegar o seu olho.
Se cegar o olho de um plebeu, ou partir o osso de um plebeu, deverá pesar e entregar 60 shekels de prata – artigo198º.1
Como facilmente se verifica, sem necessidade de transcrever outras nomas, as leis não eram aplicadas igualmente. O Código definia uma hierarquia entre os homens de classe superior, os plebeus e os escravos. Os homens da classe superior eram claramente privilegiados, os plebeus ficavam com os restos e os escravos não tinham quaisquer direitos, pois eram considerados coisas, podendo o seu dono deles fazer o que lhe apetecesse. Nem podiam queixar-se, pois seriam castigados por esse atrevimento.
Volvidos alguns milhares de anos, em 1776 da era atual, embora os norte-americanos proclamassem a igualdade de todos os homens, não desapareceu completamente a hierarquia. Esta verificava-se entre “os brancos que gozavam de liberdade, e negros e índios, que eram considerados seres humanos de tipo inferior e, como tal, não partilhavam de direitos iguais aos dos homens. Muitos dos que assinaram a Declaração de Independência eram donos de escravos. Não os libertaram depois de assinada a declaração nem se consideravam hipócritas. Do seu ponto de vista, os direitos dos homens tinham pouco que ver com os negros”.
“A ordem norte-americana também consagrava a hierarquia entre ricos e pobres. A maior parte dos norte-americanos dessa época tinha poucos problemas com a desigualdade provocada por pais ricos que passavam o seu dinheiro e os seus negócios para os filhos.
A liberdade, em 1776, também tinha conotações muito diferentes das atuais. Significava que o Estado não podia, exceto em circunstâncias excecionais, confiscar a propriedade privada. Mas a ordem norte-americana favorecia a hierarquia da riqueza, considerando que era a compensação da natureza em virtude do mérito.2
Todas as distinções entre classes são o produto da imaginação que é vertido na lei. Os escravos não tinham “natureza escrava”, como dizia Aristóteles. Por outro lado, os hindus não aderiram às castas por acreditarem no mito segundo o qual os deuses criaram o mundo a partir do corpo de um ser primevo, Purusa. O sol teria sido criado a partir do olho de Purusa, a lua a partir do seu cérebro, os brâmanes (sacerdotes) a partir da sua boca, os kshatriyas (guerreiros) a partir dos seus braços, os vaishyas (camponeses e mercadores) a partir das suas coxas e os shudras (criados) a partir das suas pernas.
Porém, não faltam pessoas que são capazes de alegar que a sua hierarquia é justa e natural, ao contrário das restantes.
Parece, no entanto, que nunca como hoje se acreditou tanto na igualdade. Podemos mesmo dizer que, em certos aspetos, até se cultiva essa igualdade. Basta observamos o atual modo de trajar das pessoas. Jovens de todas as classes vestem hoje calças de ganga, tendo o tecido muitas vezes a aparência de já ter sido usado e gasto e até com enormes rasgões. Pelo menos pelo modo de vestir, ninguém consegue detetar qualquer distinção entre classes.
1Cfr. Yuval Noah Harari, pág.s 130 e seg.
2 Idem, pág.s 164 e seg