MODIFICAÇÃO DA RELAÇÃO MATRIMONIAL

juiz
A relação matrimonial está sujeita a diversas vicissitudes ao longo da sua existência. Pode conduzir à separação de bens, à separação de pessoas e bens ou até culminar em divórcio.
A separação de bens caracteriza-se, como resulta da própria expressão, por ser uma separação restrita unicamente aos bens, deixando intocados os deveres pessoais dos cônjuges. Quer dizer, depois da separação de bens, os cônjuges continuam vinculados aos deveres de respeito, fidelidade, coabitação, cooperação e assistência. O regime de bens, que era o de comunhão de adquiridos ou de comunhão geral de bens passou a ser modificado, convertendo-se no da separação de bens.
O Código Civil anterior “permitia que a mulher casada, quer sem comunhão de bens quer com ela, que se achasse em perigo manifesto de perder, o que era seu, pela má administração do marido, requeresse a separação de bens”. Os excessivos poderes do marido como administrador dos bens do casal e a demasiada liberdade para contrair dívidas, exigiam uma forte medida de proteção dos direitos da mulher. Atualmente, devido à igualdade jurídica dos cônjuges, o marido deixou de ser o chefe de família e administrador dos bens do casal, o que significa que qualquer dos cônjuges pode requerer a separação de bens.
Esse mesmo Código referia-se à possibilidade de a sociedade conjugal poder ser interrompida. Esta expressão, nada feliz, foi objeto de diversas críticas, visto que a separação de bens não interrompia a sociedade conjugal.
Hoje o artigo 1767º do Código vigente determina que qualquer dos cônjuges pode requerer a simples separação de bens quando estiver em perigo de perder o que é seu pela má administração do outro cônjuge.
Não se trata de uma sanção contra o cônjuge administrador, mas antes um meio de defesa dos interesses patrimoniais do cônjuge não administrador colocados em perigo pela ruinosa administração do outro. O perigo deve resultar de factos concretos que façam recear a perda dos bens pertencentes ao requerente. Não basta um ou outro facto isolado, mas uma gestão “sistematicamente mal conduzida”, que tenha grandes probabilidades de causar prejuízo, denunciada por atos de prodigalidade ou de impreparação. Importa averiguar se a administração é realmente perniciosa, sem ter de esperar que o requerente perca todos os bens. Aliás, se chegar a este ponto já não se justifica a separação. Tendo a separação uma função essencialmente preventiva, deve ser requerida e decretada enquanto tiver utilidade, o que só acontecerá enquanto o administrador não esbanjou a totalidade dos bens em causa.
Embora qualquer alteração da relação matrimonial só possa ser decretada pela via judicial, a separação de bens tem de ser sempre litigiosa, não podendo ser alcançada por mútuo consentimento como acontece no caso de separação de pessoas e bens ou de divórcio. Quer dizer, ainda que os cônjuges estejam de acordo quanto à má a administração de um deles e que a mesma põe em risco o património do outro, terá o interessado de propor a ação de separação de bens que seguirá sempre a via litigiosa. Como se compreende, se pudesse obter-se por consenso entre os cônjuges, estaria aberta a porta à possibilidade de conluio com a intenção de defraudar as expetativas dos credores. Esta exigência da lei, que lhe empresta um mínimo de seriedade, não afasta por completo a possibilidade de, através da partilha dos bens comuns, procederem à composição ardilosa e concertada dos quinhões, com vista a prejudicar terceiros.
Só tem legitimidade para a ação de separação o cônjuge lesado ou o seu acompanhante, quando dotado de poderes de representação e mediante autorização judicial. Se o acompanhante do cônjuge lesado for o outro cônjuge, a ação só pode ser intentada, em nome daquele, por algum parente na linha reta ou até ao terceiro grau da linha colateral ou pelo Ministério Público – artigo 1769º. As medidas de acompanhamento têm lugar sempre que o maior esteja impossibilitado, por razões de saúde, deficiência, ou pelo seu comportamento, de exercer, plena, pessoal e conscientemente, os seus direitos ou de, nos mesmos termos, cumprir os seus deveres.
Após o trânsito em julgado da sentença que decretar a separação judicial de bens, o regime matrimonial, sem prejuízo do disposto em matéria de registo, passa a ser o da separação, procedendo-se à partilha do património comum como se o casamento tivesse sido dissolvido. Quer dizer, o efeito imediato é o da conversão do regime de bens, o que constitui uma das poucas exceções ao princípio da imutabilidade do regime previstas no artigo 1715º. Deixa de haver bens comuns, ficando cada um dos elementos do casal com a administração e livre disposição dos seus bens.
A separação judicial de bens é irrevogável. Não era assim no domínio do Código Civil anterior.