A PANDEMIA

juiz
O Dicionário da Academia das Ciências de Lisboa define a pandemia como sendo uma epidemia que atinge, num curto período de tempo, as populações de vários países. É, na verdade, o que se está a verificar em relação ao coronavírus. Como já alguém referiu, o mundo atualmente não é mais que uma “aldeia global”. As pessoas deslocam-se com grande facilidade entre os vários países, o que fez com que a propagação da epidemia alastrasse com imensa facilidade e rapidez. Só estranhámos como a Organização Mundial de Saúde demorou tanto tempo para a qualificar como tal.
O novo coronavírus surgiu na cidade de Wuhan, província de Hubei, na China, tendo-se propagado rapidamente por quase todo o mundo. Segundo li numa revista, em Março de 2020, o SARS-Cov.2 já tinha atingido mais de 100 países. Só então a OMS declarou que o surto se tornara pandemia.
Todos os dias, os noticiários dos vários países relatam, além do mais, o número das pessoas infetadas e das que faleceram com o covid–19.
Muitas outras epidemias foram a causa de imensas mortandades como a CÓLERA, a gripe ASIÁTICA, a VIH/SID, a gripe ESPANHOLA, a gripe de HONG-KONG, o ÉBOLA, o PALUDISMO, etc. Quanto à CÓLERA, a partir de 1800, mas principalmente entre 1852 e 1860, teve lugar a terceira e a mais letal das sete epidemias. Tal como as duas anteriores, teve a sua origem na Índia e, através do Rio Ganges, espalhou-se por toda a Ásia, pela Europa, pela América e pela África, matando mais de um milhão de pessoas. Em 1910-1911, o sexto surto de cólera, também originário da Índia, vitimou mais 800 mil pessoas. Em 2008-2009, no Zimbabué, causou a morte a mais de 400 mil pessoas. Outros países sofreram também o seu efeito devastador. Segundo a OMS, todos os anos há 3 a 5 milhões de casos de cólera, sendo que esta doença permanece endémica em cerca de 50 países.
Um dos maiores vultos da literatura italiana, BOCCACCIO, numa das suas obras, DECAMERON, descreve 100 contos narrados por um grupo de 7 moças e 3 rapazes que se abrigam numa vila isolada de Florença, para fugir à peste negra que dizimava impiedosamente o continente europeu. O irmão abandona o irmão, o marido abandona a mulher e até a mãe encara os filhos como se já não lhe pertencessem. Estava-se no ano de 1348, quando na cidade de Florença sobreveio “a mortífera pestilência”. Nenhuma prevenção valeu, eram baldadas todas as providências dos homens. Nem conselho de médico, nem virtude de mezinha parecia trazer a cura ou proveito para o tratamento.
Dois tipos de conduta era possível verificar: um, de luxúria desenfreada (as pessoas passavam a beber e a entregar-se aos prazeres); outro, em que as pessoas se recolhiam, fechadas em grupos, orando e praticando o ascetismo; outro ainda em que agiam entre estes dois tipos, adotando condutas intermediárias. Numerosas pessoas vagueavam pelos campos ou se reuniam nas igrejas.
A epidemia matou cerca de ¾ da população da cidade.
A morte de tantas pessoas não pode deixar qualquer ser humano indiferente. Ninguém pode deixar de lamentar a perda de vida do seu semelhante. Porém, na guerra, procura-se matar impiedosamente o inimigo e, se essa tarefa é levada a cabo por uma epidemia, o sentimento humano dos que se encontram do outro lado, muda completamente. Houve, com efeito, uma epidemia que os portugueses recordam como sendo salvadora da independência do País. Foi o que aconteceu no cerco de Lisboa, durante a crise de 1383-1385.
Após a morte de D. Fernando, ocorrida em 22 de Outubro de 1383, o rei de Castela, seu genro, tinha o objetivo de conquistar a Coroa portuguesa. Os herdeiros legítimos da Coroa, os filhos bastardos de D. Pedro e de D. Inês de Castro, estavam encarcerados e a rainha D. Leonor, viúva de D. Fernando, fora obrigada a abdicar da regência e mandada para um Convento. D. João de Castela, sentindo-se apoiado por uma grande parte da nobreza portuguesa, avançou com um numeroso exército para a conquista de Lisboa. Muitas cidades e castelos de Portugal estavam ao lado de Castela.
D. João, Mestre de Avis, que havia sido aclamado Regedor e Defensor do Reino, viu-se forçado a pedir o apoio da Inglaterra, tendo obtido autorização para aí organizar um contingente. Tal como fizera D. Afonso Henriques, em 1147, o Mestre de Avis, comprometeu-se a pagar as despesas de qualquer contingente inglês. Porém, o pequeno exército estava muito mal preparado.
O cerco de Lisboa durou cerca de sete meses, entre Março e Setembro de 1384, e D. João de Castela “mostrava-se determinado em arrasar os inexperientes soldados que defendiam a cidade”. Além disso, os sitiados já estavam a sofrer muita fome, apesar da recolha antecipada de mantimentos ordenada pelo Mestre de Avis. Valeu-lhes o facto de os castelhanos terem sido atacados pela peste. Foi esta que venceu as forças do inimigo, forçando-o a abandonar o cerco, devido à morte de “muitos dos seus melhores homens e comandantes”. As mortes ocasionadas pela peste determinaram o levantamento do cerco e deram tempo a que D. João, Mestre de Avis, pudesse organizar melhor a preparação do exército para a guerra com Castela, salvando assim a independência de Portugal.