Sociedade doente ou Saúde Mental esquecida?

Ana Cruz
Cada vez mais ouve-se a expressão “Sociedade doente” quando surge uma monstruosidade anunciada nos meios de comunicação sociais. Quer seja por crimes morais quer seja por crimes hediondos de qualificação tão abjeta, que qualquer ser humano fica repugnado!
A realidade é que perante tantas regras e imposições para inserir um individuo numa sociedade, dita civilizada, torna-se difícil diferenciar quem é genuíno nas suas virtudes, e quem simula essas virtudes para não ser discriminado ou estigmatizado para que não seja, por fim, isolado da sociedade. Seguir padrões e regras são ferramentas sociais necessárias para um ambiente seguro, com ordem. No entanto, ignora-se que os desvios de personalidade, as crises afetivas e emocionais, as frustrações, as diferenças comportamentais são indícios claros que alguém necessita de apoio. Graças à competitividade, ao aumento inexequível das expetativas de vida, à falta de consciencialização do controle emocional, criamos ideias e quando saem goradas não sabemos assimilar este obstáculo. Colocamos culpas a terceiros buscando argumentos irreais, porque atualmente a felicidade tem de estar sempre presente, mesmo fingida, e não podemos questionar algo tão simples como “Porquê isto está a acontecer?”, sem levar uma manifestação de tédio, de quem nos está a escutar, porque o sofrimento manifesto é tabu!
Nós aprendemos várias formas como adaptarmos à sociedade onde iremos viver, e contar experiências\ histórias solidificam os hábitos\ comportamentos que iremos apreender! Ocultar, esconder sempre foi uma atitude condenável pela sociedade, no entanto desde que não prejudique o sistema\ sociedade é subtilmente aceite de forma geral! Falar de Saúde Mental em qualquer sociedade, é tão necessário como falar de fatores de riscos que possam desenvolver doenças físicas!
No fundo é como a história do pé limpo, pé sujo que qualquer médico\ enfermeiro conta para demonstrar o tipo de higiene que um individuo tem: rezam as memórias antigas, que certo dia um agricultor começou com uma dor e inchaço no tornozelo do pé direito e decidiu ir ao “SôDoutor” para aliviar este incómodo. O médico observou o pé direito e quis fazer uma comparação com o outro pé, e pediu ao paciente que descalçasse a bota do pé esquerdo. O agricultor envergonhado diz -“Tem mesmo de ser, SôDoutor?”- o médico retorquiu – “Oh homem, eu é que sei! Mostre lá o pé, se faz favor!”. Ao descobrir, por fim, o pé esquerdo, este estava tão imundo que o médico nem ousou tocar-lhe, e na ingenuidade de quem é simples o agricultor refere: “Só lavei o direito, porque era esse que me doía e que o SôDoutor ía ver!”
Esta história retrata, de forma comparativa, o que é aceitável em oposição ao que deve ser feito! Ou então, o famoso “deixar o trabalho a meio”, também se encaixa aqui! Questionar como vai a saúde, e apenas valorizar as doença físicas é como....lavar apenas um pé! Afinal de que vale a pena esconder a angústia, a tristeza ou o desgosto? Para agradar a sogra, o cônjuge, a prima, a vizinha? Para aumentar mais a angústia dentro de si? Para cometer atos que lesam a sua integridade física e mental através de consumo de drogas que não resolvem e até desencadeiam outras doenças?
Ninguém é imune a crises existenciais ao longo da vida, e quem se acha acima deste pensamento, já por si tem um problema mental! As lutas diárias da pessoa com a vida, surgem desde a infância até à velhice. (Atenção, velhice não é sinónimo de chatice, mas para mim de uma sabedoria única e indissociável! Infelizmente, existem algumas pessoas idosas que mantém uma atitude tão negativa perante a vida que têm, que é inevitável não colocar o adjetivo chatice a velhice, o que pela casualidade de rimar, há uma tendência de a repetir. Mas também há outras faixas etárias cujas pessoas primam pela chatice, logo (in)felizmente não é exclusivo à velhice!)
As mudanças na vida (escola, nova família, adolescência, casamento, divórcio, morte…) colocam a capacidade de adaptação de qualquer um à prova; superar e resolver conflitos afetivos e emocionais; reconhecer os seus limites e sinais de mal-estar, sabendo que tem alguém que o apoia (Acredite ou não, ter “amigos” que não sabem escutar e ver o lado positivo da situação, e que o fazem sentir-se ou tornar-se pior pessoa, são fator de risco para aumentar o risco de ansiedade e potencial depressão.) e ter relações que são prazerosas com outras pessoas, são itens que compõem um bom equilíbrio de saúde mental. É certo que certos mitos estão associados a quem sofre de problemas de saúde mental: “Está tudo na tua cabeça” ou “Inventou isto para faltar ao trabalho”, são os mais frequentes, mas também “É maluca, nada a fazer” ou “Não fales muito com ele, nunca se sabe o que fará!”. É limitante, para não dizer incorreto considerar que quem é doente mental é pouco inteligente, preguiçoso ou perigoso. Está comprovado, que a maioria que padece de depressão e outras doenças mentais, tem quase sempre uma lacuna durante a sua infância ou adolescência, e que a falta de confiança e segurança nessa fase da vida, pode suscitar no adulto problemas mentais e potencial de ansiedade, baixa de auto estima e depressão.
Com o maior risco de desemprego e problemas financeiros nas famílias portuguesas, aumenta-se também o risco de problemas mentais dentro das famílias, não desista de pedir ajuda mesmo que encontre obstáculos. “Virtude”, não é só o nome da professora da primária de há 20 anos atrás ou e enfermeira sádica que dava injeções, ter a virtude de ser firme na sua vontade quando procura a solução para o seu problema!