SANFONINAS

dr. jose
Na cauda, veneno!
Era pelos anos 50.
À beira dos caminhos: silvados, carrascais, moitas de zimbros, trovisco, estrepes, murtinhos, valados de pedra solta a delimitar toscamente os terrenos…
Nenhuma preocupação pela conservação das espécies, porque lagartixas, osgas, lagartos, cobras por aí se multiplicavam e a passarada tinha alimento bastante para chilrear de contente.
Lembro-me como se fora ontem.
A caminho da pedreira, depois do almoço em casa comigo, meu pai apanhara uma cobra de invulgar tamanho. Levou-o e foi, entre os trabalhadores, uma algazarra. Se bem pensaram, melhor o fizeram. Sob o alpendre, após a largada do trabalho, às 5. Corta-se um palmo do rabo, outro palmo da cabeça, esfola-se, esquarteja-se…
Acompanhado por um garrafanito de 5 litros ido da taberna do Torretas, o pitéu deliciou. «É como enguia frita!» – comentava-se. Eu também comi um pedaço – que criança não podia ficar a augar. Soube-me bem e, vida afora, de vez em quando, perante o espanto dos demais, ainda sou capaz de me ufanar:
– Eu já comi cobra!
«Corta-se um palmo do rabo»… A ideia era comum: na cauda estava o veneno. Como a dos temíveis alacraus, «dói muito, mãezinha, dói!»….
Como, anos mais tarde, descobri que essa história do veneno na cauda tinha outra conotação, mais sofisticada. Como a de ires passando suavemente a mão pelo pêlo, que bom, o adversário tem experiente treinador, técnica apurada… E, no final, zás! A ferroada! Qual abelha a sentir-se em perigo.
Creio ser por isso que os gatos inevitavelmente empertigam o rabo quando a mão acariciadora se aproxima de trás:
– Cuidado, aqui acaba gato!