RECADO

DA ALDEIA PARA A CIDADE Querida cidade : 
Lavro neste inóspito solo de branco papel leivas de puras emoções , com o coração apertadinho e um nó na garganta que me sufoca . Muitas translações se efetuaram à volta do sol gerando estações de calor e frio e rotações com dias em ondas rítmicas de amor e noites de indecisos sentimentos e tu descaradamente me mentiste . Roubaste-me as minhas crianças na sua infância , idade de oiro , ludribiando a boa fé dos pais com falsas e ilusórias promessas de uma vida faustosa ,trabalho fácil e bem remunerado . Enganaste-os ao mesmo tempo que roubaste o meu futuro . A promessa da sua liberdade como sussurro de vento não passa da camuflagem de uma prisão sem muros num brumoso longe oriental . As minhas crianças brincavam livremente pelas minhas ruas despreocupadas e felizes com as calcitas de peitilho rotas no cu seguras apenas por uma alça porque a outra perdera o botão , a correr atrás de um arco de pneu , assobiando aos canoros passarinhos , gozando uma vida de liberdade e despreocupação . Tu oprime-las no quadradinho dos teus apartamentos , fechados nos seus quartos apegados a inertes jogos virtuais , sem conteúdo nem afecto . Quando descem para a garagem e entram no carro é para serem despejados em gigantescas escolas apinhadas de outros prisioneiros . As minhas crianças trepavam às árvores e corriam por caminhos em terra dura e pedregosa atapetados de calhaus e pedras roladas polidas pelas enxurradas , em direcção aos prados viçosos sob os raios de sol que as penetravam . A sua liberdade sentia-se em cada ofegante respiração deste ar puro e nos batimentos do seu corção . Aliciaste-os com melhor educação , mas aí os meus meninos crescem com medos , fobias e atrofias e demais doenças que tu lhes criaste . Crescem na desconfiança duvidando de toda a gente tentando ultrapassar ou serem mais espertos que os seus colegas ou vizinhos . Aqui as minhas crianças cresciam educadas no respeito aos mais velhos , estimavam-se entre si , cumprimentavam quem passava , sabiam dizer “ bom dia ,” boa tarde ” ou “ uma Santa noite vos dê Deus “ . Preocupavam-se em serem prestáveis . Predominava o puro e verdadeiro amor da liberdade e companheirismo . Aqui os meus meninos não necessitavam de psicólogos ou psiquiatras para tratar maleitas que são exclusivamente tuas , brumas flutuantes sempre próximas . O sábio silencio dos campos era a mais eficaz terapia , sob as bênçãos do sol e beijos de água . Ilusóriamente as pessoas que vivem na aldeia são “ uns atrasos de vida “ . Oh !!!… puro devaneio o teu , pois mal sabes que é apenas a melhor oportunidade para viver e garantirmos a sobrevivência dos nossos recursos naturais , económicos e ambientais . Vivemos o drama do aquecimento global , mas continuas a apinhar milhões de pessoas em reduzidos números de metros quadrados, a poluir espaços , rios e o ambiente ,contemplando serenos de longe a morte do sol . Porém achas uma coisa natural e que está tudo bem . Nós temos a infinitude dos campos e a majestade das montanhas , montes de som e vales de silencio que quando perpassadas pela luz do sol resplandecem como se fossem de oiro. Aqui tudo é mais saudável . Prefiro a minha insignificante pequenez e solidão coberta de brancas nuvens e estrelas hesitantes , que estar rodeado por milhares de pessoas , por carros de luxo , barcos de cruzeiro ou naves espaciais que por essas bandas proliferam como aqui os nossos cogumelos . Somos amantes desta verdadeira liberdade e nesta paz contruída , todos os dias os nossos corações em extase estremecem com o amor dos pinheirais circundantes , dos sítios ermos , dos cerros altíssimos e destes maninhos montes solitários.