
A Nova Barragem de Fagilde
Nos últimos tempos tornou-se recorrente afirmar que a civilização se encontra numa época de transição. Confrontados com a transição energética, com a transição climática e com a transição digital, por vezes esquecemos que todas elas se interligam e, que as respostas aos desafios que cada uma delas levanta, estão absolutamente dependentes das estratégias a definir para cada uma das outras.
Colocando o foco na transição climática, cuja emergência é cada vez mais evidente, é hoje claro que a bacia do Mediterrâneo, região na qual Portugal se insere, será das mais afetadas pelas alterações climáticas. O clima português, caracterizado pela grande irregularidade de chuvas, em que os anos muito secos vão alternando com anos húmidos, verá acentuar a escassez de chuvas e segundo os peritos do clima verá concentrar cada vez mais essa quantidade de precipitação em períodos cada vez mais curtos. Tudo aquilo que puder ser feito na melhoria da gestão das bacias hidrográficas, nomeadamente na drenagem, na eficiência do tratamento, transporte e distribuição de água e na gestão e tratamento das águas residuais deve ser encarada como prioridade nacional. Num ano de seca, como o que vivemos atualmente e que nos permite antever o possível futuro, a prioridade passa a emergência nacional.
O esforço para concretizar esta prioridade deve ser transversal a todos os níveis do poder político: nacional, regional e local. No plano local tem sido incontestável o esforço empreendido pela Câmara Municipal de Mangualde, que nos últimos 8 anos operou uma verdadeira revolução no tratamento de águas residuais, retirando o concelho de uma situação indigna, de absoluta insuficiência de tratamento de águas residuais, que contaminavam as linhas de água de todo o concelho, colocando em risco a saúde pública e desbaratando esse recurso precioso num dos maiores exemplos da incúria da gestão municipal anterior. Essa aposta significou a conceção, planeamento e construção de 10 ETAR’s, distribuídas por todo o concelho a saber: Almeidinha, Sta Luzia, ETAR Poente Tabosa, Freixiosa, Chãs de Tavares, Abrunhosa-a-Velha, Oliveira e Passos, Tibaldinho, Lobelhe do Mato, Gandufe. A concretização, aliás já em obra da completa renovação da ETAR de Cubos, e as restantes em plano, bem como, o plano de mais de 1 milhão de euros para a re-utilização da água delas proveniente garantirão ao concelho um futuro risonho na questão do tratamento de água residuais.
Já no plano do armazenamento de água, a questão da escala é primordial. Aqui a questão deve ser abordada no plano regional. A principal fonte de abastecimento de água ao concelho, a Barragem de Fagilde, está a aproximar-se do fim de vida. Se nos idos anos 80 a sua construção foi determinante para alavancar o desenvolvimento da região e a qualidade de vida das populações, hoje o tempo urge para garantir que uma nova barragem suprirá as necessidades crescentes de água em quantidade e qualidade que garanta a sua correta gestão, nomeadamente o seu armazenamento na abundância dos anos húmidos, para prevenir a escassez cada vez mais certa nos anos secos. Bem estiveram os municípios de Mangualde, Viseu, Penalva do Castelo, Nelas e Sátão quando nos últimos anos encetaram diálogos e estudo técnicos por forma a apresentarem uma solução cabal, robusta e duradoura, sem as habituais quezílias paroquianas de quem não vê além do seu quintal. Mal estiveram e estarão velhos protagonistas regressados de outras lides que tudo questionam à 25ª hora, desprezando consensos já estabelecidos sem que daí advenham vantagens para a concretização efetiva do empreendimento que a todos beneficiará. A solução que interessa a Mangualde, porque a toda a região beneficia, é a construção de uma nova barragem a jusante da existente, que aumente muito a capacidade de armazenamento. A profundidade do vale a jusante assim o permite, garantindo que durante a construção o abastecimento está garantido. Simultaneamente a manutenção da cota máxima garante a salvaguarda das povoações ribeirinhas e seu património. Esse trabalho tem vindo a ser feito onde e por quem de direito, longe dos holofotes mediáticos como convém a todas as questões estratégicas complexas.
Sendo esta uma prioridade para mais de 150 mil habitantes dos concelhos envolvidos, a sua importância socioeconómica extravasa em muito a realidade regional. Deverá por direito assumir-se como parte da Estratégia de Desenvolvimento Nacional, aliás como foram outros empreendimentos hídricos. Se Alqueva é sobretudo um projeto de regadio agrícola, não podemos esquecer que serve o consumo humano de 200 mil habitantes. O mesmo pode ser afirmado em relação à nova Barragem do Pisão, no distrito de Portalegre, cuja dimensão ronda os mesmos 150 mil habitantes da Barragem de Fagilde. A barragem de Pisão foi incluída no PRR e será em breve construída. Também a Nova Barragem de Fagilde deverá ter igual tratamento por parte do Governo de Portugal. Financiamento nacional e europeu devem garantir o suporte a este empreendimento crucial para o futuro do Vale do Dão.
Perdida que foi a oportunidade da Barragem de Girabolhos, por desistência contratual do concessionário, Endesa, e pela fragilidade do facto do empreendimento se focar exclusivamente na produção hidroélectrica, quando os acima citados foram definidos como empreendimentos de fins múltiplos em que o abastecimento humano e regadio estiveram sempre priorizados, não podemos atrasar mais a definição, projeto e construção de uma solução duradoura e eficaz para os futuros constrangimentos no abastecimento de água em quantidade e qualidade a toda a região.