MANGUALDE, UMA TERRA COM FUTURO

O inverno do nosso descontentamento
O ciclo natural da vida, apesar de todas as alterações que a atividade humana lhe foi impondo, continua a ser determinante na forma como as sociedades se organizam, sendo tão válido para as sociedades mais sofisticadas como para aquelas que mantém características anteriores à Revolução Industrial. A natureza influi enormemente na atividade económica, criando dinâmicas de crescimento ou recuo sazonais na maior parte dos setores. Com a terciarização da economia este efeito começou a ser atenuado, mas a explosão da atividade turística da última década acentuou, em especial no caso português, essa assimetria. Apesar do influxo do consumo natalício, os primeiros meses do inverno são normalmente meses de menor receita e de maior despesa. Ora esta caraterística será rapidamente acentuada com a escalada dos preços da energia, gás e eletricidade, e com o cenário recessivo já instalado nos nossos principais parceiros europeus, em especial a Alemanha, tradicionalmente o terceiro maior cliente e o maior investidor em Portugal. A inevitável receita de subida das taxas de juro, para combater a maior crise inflacionista desde os anos 80, e o seu impacto nos contratos de crédito de média e longa duração de famílias e empresas, arrefecerá ainda mais a economia europeia. Procura-se atuar sobre a procura, quando para muitos especialistas o problema reside sobretudo no lado da oferta.
Curiosamente, por terras eslavas, o inverno é historicamente a época em que os conflitos bélicos atingem o impasse. Os rigores de -20ºC impedem grandes ofensivas envolvendo grandes massas humanas e de equipamento. A recente tomada de Kherson pela Ucrânia pode ser o último grande movimento antes do inverno, estabilizando posições, ou pode ser o prenúncio de uma rápida contra ofensiva ucraniana que vise o controlo de todo sul perdido em Fevereiro e Março e que permita iniciar conversações com vista a uma possível, mas ainda assim distante paz. Ou seja, não é provável que qualquer dos dois cenários motive ambas as partes a procurar ativamente o início de um processo de paz
Toda esta incerteza torna bem certo que, pelo menos o primeiro trimestre de 2023 será de grande travagem económica e, consequentemente, de enormes desafios à coesão social. Dois anos de pandemia, um ano de crescente inflação e nove meses de guerra, erodiram muitas poupanças a milhões de famílias, que estão agora confrontadas com a inexistência de qualquer almofada que amorteça o que mais possa surgir. Perante isso a resposta de entidades públicas e privadas terá de ser bem coordenada e alicerçada na prudência, no bom senso e coragem que o momento histórico exige. Se o Orçamento do Estado para 2023 procura muito positivamente manter o equilíbrio entre medidas de compensação à pressão inflacionista, - nomeadamente com a revalorização de salários -, com a continuidade do cumprimento das metas de défice orçamental e dívida pública, é certo que o investimento público não pode deixar de se constituir como balão de oxigénio para uma economia em rápida travagem. A aceleração da aplicação dos fundos do PRR e do remanescente Portugal 2020 se era importante há alguns meses, torna-se agora absolutamente vital. Seria de todo incompreensível que tal não acontecesse. Às empresas caberá o papel de fazer uso de todas os instrumentos à sua disposição para evitar que perdas temporárias de vendas se transformem em precipitadas vagas de despedimentos que dificultem ainda mais a velocidade do posterior processo de retoma económica. Em caso de agravamento substancial das condições económicas nacionais e internacionais, deve o Governo criar mecanismos excecionais como o lay-off simplificado que, à semelhança da situação vivida em tempos de pandemia, permita apoiar projetos empresariais viáveis e apostados na modernização da sua atividade, nomeadamente no que diz respeito às apostas na transição energética e digital. Será esta provavelmente a razão da prudência do Ministro das Finanças ao não colocar todos os recursos desde já ao dispor da situação actual, prevenindo-se para necessidade de novas medidas de maior profundidade no curto prazo, como resposta a possíveis agravamentos de cenário. Às autarquias competirá a prossecução de políticas ativas de eficiência e poupanças energéticas que minimizem os impactos duradouros dos crescentes custos energéticos, nomeadamente em iluminação pública e aquecimento. A todos exige-se nervos de aço, capacidade de liderança, visão estratégica e senso de comunidade. Ou seja a coragem e capacidade de decisão que define liderança. Com ela certamente ultrapassaremos o inverno do nosso descontentamento.