SANFONINAS

Multidão de verdes!…

Amanheceu há umas duas horas. Ao fundo, as ondinhas insistem, uma após outra, a irem lamber a areia, ao pé da íngreme falésia xistosa. Só muito de longe chega aqui o seu marulhar, apenas dois pardais em desafio estridente cortam a aragem fraca.
Jaz no parque uma dezena de rulotes, de portas abertas umas, preguiçosas inda outras, na certeza de que delas sairão daí a pouco os ocupantes surfistas – que o mar d’Arrifana os aguarda lá em baixo. A autarquia aljezurense tarda em dar prioridade a construir ali sanitários públicos, só disponibilizou os da praia e o pessoal organiza-se como pode. Servem para isso as abundantes moitas de que, no seu topo, a falésia se reveste.
Sempre apreciei deveras o mato. Não, nunca quis ser bicho-do-mato nem tenho especial vocação para isso, agrada-me conviver. O mato, para mim, era o lugar onde surpreendia cobras, lagartos, lagartixas; onde apanhava erva-de-São-Roberto e bagas de zimbro (cheguei a vender ao quilo); onde podia apreciar o sabor acre dos murtinhos silvestres; onde apanhava amoras e abrunhos (medronhos só em alguns deles); onde armávamos aos pássaros nos silvados e troviscos…
Volto a admirar este mato, aqui, a proteger as infinitas camadas oblíquas que o xisto grauváquico da arriba deixa ver. Manto verde matizado de mil colorações, que até contrasta com o verde berrante da vedação virgem daquela vivenda ao pé. Lá ao longe, sobranceiro, sentinela, alto marco geodésico branco cintado de negro. Mas, até lá, a perder de vista, esta infinita sucessão de verdes, verdadeiro paraíso da passarada livre. Aqui e além, ainda se mostra tímida flor branca de giesta, réstia de Primavera a findar…
Esse e todos os matos me encantam, lições duma biodiversidade real, que não carecem de livros para nos explicar a sua imprescindível importância e real necessidade. Que o mato, hoje, acaba por ser apetecível é por outros motivos:
– Já viste quantos lotes eu poderia construir ali? E com esta vista de mar! E este sossego! E este contacto com a Natureza!…
– Desculpa – atalhei – tu falaste em lotes a construir e em contacto com a Natureza?!…
Até o casalito de pardais que o ouviu deu uma gargalhada das deles!