lendas, historietas e vivências

Memórias da Estação em tempo de Guerra, lá longe…

Pois, na verdade, como tenho escrito, a Segunda Guerra Mundial ficou muito para lá da fronteira, para nossa sorte. Ouvia-se o comboio, mas não se ouviu o ruido de aviões a passar e as bombas a cair. Também nada se viu excepto algumas fotografias que acompanhavam as notícias dos jornais que o Pai comprava diariamente. Daí que, desde sempre, me fez confusão como é que nos meus sonhos infantis eu via as bombas caírem no telhado dum barracão vizinho, deixando ali um largo buraco nas telhas?! E não foi só uma vez…Eu acordava lavada em suor a chorar agarrada à minha irmã com quem dormia, num grito “ a bomba” a bomba…mas onde raio é que eu tinha visto uma bomba e os seus efeitos, se nem havia televisão?!…E logo a minha irmã, mais velha que eu, me tentava sossegar. Mas acalmar daquela aflição, não era fácil, e por vezes lá tinha de vir um dos Pais transmitir confiança. Pois, era isto…não tínhamos guerra, felizmente, mas as notícias da rádio eram suficientemente realistas. E para isso, lá estava o grande locutor e jornalista FERNANDO PEÇA que, de Londres, acompanhava e transmitia momentos trágicos daquela grande desgraça. Eu já referi noutro texto como o governo de Portugal e o de Espanha conseguiram passar ao lado da 2ª Guerra Mundial com acordos de fornecimento à Europa de muitos bens de várias espécies que eram transportados de noite nos longos comboios que já referi. Chegados a 1945, para bem de todos, esta terrível guerra terminou. Assim sendo vários dos nossos bens já não eram tão necessários, e alguns ficaram acumulados nos espaços disponíveis, e ainda eram muitos, nas imediações da Estação/ Gare, sobretudo madeiras em rolo e grandes barricas de resina ou pês louro, de que as inúmeras matas de pinheiro bravo da Beira Alta eram pródigas. O maninho entre a aldeia de Cubos e o Bairro da Estação era o armazém do material que já não seguiu para a Europa. No verão com o calor intenso projectado sobre as barricas provocava a liquefação da resina que ia saindo pelas fendas abertas nas madeiras. Nos anos que se seguiram à Guerra sentia-se a miséria que desabara sobre a população de fracos recursos. Um dos grandes problemas era a falta de iluminação à noite. Recorrer ao petróleo ou ao azeite era incomportável, então criavam-se estratégias. A cera de abelhas em bruto era prensada num caco com um pavio improvisado de um pedacito de trapo a que se ateava o fogo. Havia por aí pessoas mais espertas que deram conta do manancial de resina que saia em bolas amarelas reluzentes, pelas fendas das barricas. Muniam-se de bugalhos grandes e secos retiravam-lhe o recheio feito pó e substituíam-no por bolas de resina com um fio de tecido que servia de pavio e chegavam-lhe o fogo com uma palhinha; até os fósforos eram um bem caro e difícil de arranjar…Deste modo muita gente fez frente à escuridão por largo tempo.