Meu tempo de Maduro


Muitas vezes na minha vida acordo a contar meus anos e descubro que tenho menos tempo para viver daqui para a frente do que vivi até agora. Tenho mais passado que futuro. Não temo a morte porque não sei o que ela é, não sei se ela é melhor ou pior do que a vida.
No percurso intemporal da minha existência, já fui amassado, pisado, humilhado e quantas vezes me senti sem importância, mas nem por isso perdi a minha dignidade, o meu valor, a minha humildade intrínseca que tanto tempo me leva a percorrer. Não posso ser avaliado por aquilo que pareço ser, mas apenas por aquilo que sei e que fiz, pela postura na vida para comigo e para com os outros.
Disperso num brumoso longe oriental, sinto-me como menino que quando recebe uma vistosa taça de cerejas, as primeiras as aprecia e saboreia gostosamente e com displicência, mas percebendo que já poucas lhe restam, desfruta de um redobrado prazer roendo o caroço num caótico gesto de loucura.
O que perdi no passado não ensombra aquilo que posso desfrutar no presente como ser, num ardente estado febril sublimado. Sei que vivo um mundo imperfeito com sombras que batem asas e ocultam ansiedades misteriosas como eu e como todos nós mas procuro pautar a minha vida pela coerência, enfrentando o mundo na sua evolução misteriosa. Ainda mora em mim um dos aspetos mais bonitos da vida e das coisas que me cercam refletido na matéria dos sonhos.
E numa sombra que nasce e num corpo que se esvai, já não me resta tempo para lidar com mediocridades. Não gosto de convívios onde desfilem egos inflamados. Como homem de boa vontade, adoro ser brando, conciliante e amoldável às circunstancias. lnquieto-me com invejosos que tentam destruir quem eles admiram, cobiçam seus lugares, talentos e sorte. Penetrado de humano sentimento, enfado-me com conversas intermináveis discutindo assuntos inúteis sobre as vidas alheias que nem fazem parte da minha.
No sangue que percorre as minhas veias, com velhos sofrimentos passados, já não tenho tempo para gerir mexericos de pessoas que apesar das sua idade empenham-se em afirmar a sua imaturidade.
Procuro um sentido de vida mais belo, mais claro, mais profundo. O tempo torna-se me escasso. Já não me contento com debater rótulos de amigos e conhecidos, quero a essência, a minha alma tem pressa na escassez do tempo. No meu perfil já doirado de penumbra, procuro o convívio de gente humana, de bem consigo e com a vida, gente que sabe rir dos seus tropeços, não se deslumbra com triunfos, não se considera abençoada de uma superioridade ridícula, não foge da sua mortalidade refugiando-se numa mística hipocrisia contagiosa. Adoro pessoas de verdade, acontecimentos altruístas.
A essência faz a vida valer a pena. Passado foi lugar para criar memórias e não raízes. Lembrar é fácil para quem tem memória, esquecer é difícil para quem tem coração.