ALGUNS SEGREDOS DA TORRE


Damião de Góis “passou a vida por entre documentos, como guarda-mor do arquivo real português”1. Foi arquivista do rei na Torre do Tombo –Torre dos Registos – vivendo muito perto, numas casas que davam para a Casa do Espírito Santo, onde os habitantes do castelo assistiam às cerimónias religiosas da igreja. O edifício que habitava já não existe, tendo sucumbido ao terramoto de 1755 e aos incêndios que se lhe seguiram, os quais devastaram a cidade de Lisboa. A Torre subsistiu, mas deixou de ser o local de armazenagem da memória de Portugal, onde eram mantidos todos os segredos do reino.
Em 1554, Damião de Góis, sendo guarda-mor do arquivo real português, tinha a responsabilidade de receber, organizar e arquivar um grande número de documentos, transformando esse turbilhão de papeis nas crónicas oficiais do reino.
A “coroa portuguesa interessava-se desde o início pelas possibilidades do comércio, financiando viagens de exploração e reservando para si mesma o monopólio real sobre os produtos mais importantes. Apesar de o maior destes reis, D. Manuel, ser escarnecido como rei merceeiro pelos desdenhosos reis do Norte, a vergonha era possivelmente atenuada pelos extraordinários lucros que depressa provieram destes empreendimentos”. O comércio da pimenta estava reservado para o rei. Duas mil toneladas de pimenta por ano, que rendiam mais de um milhão de ducados.
Luís de Camões também é visado. “No seu poema épico sobre a viagem marítima de Vasco da Gama à Índia – Os Lusíadas, ou “Canção dos Portugueses”, que descendiam da figura mítica Luso -, Luís Vaz de Camões escreveu sobre o cativeiro como alguém que o conhecia muito bem”. Na verdade, durante a sua vida, Camões esteve muitas vezes preso na Cadeia do Tronco, em Lisboa, nos meses de 1552 e 1553. Foi preso por causa de uma rixa durante a celebração do Corpo de Deus, a 16 de junho de 1552, tendo sido acusado, ele e mais três homens, de agredir na rua um cortesão de nome Borges. Um segundo mandado foi emitido contra si, por ter participado noutra agressão, juntamente com mais 18 indivíduos, a um cavalheiro abastado.
“Toda a zona entre o local onde Damião trabalhava, no castelo, e onde Camões estava na prisão era ocupada pela Mouraria, o bairro deixado para os muçulmanos depois da conquista da cidade em 1147, e que desde então tinha em grande parte ficado para eles, apesar de também lá morarem cristãos, incluindo os pais de Camões”.
Damião de Góis veio a falecer em Alenquer no dia 30 de Janeiro de 1574, tendo sido sepultado na capela da mesma igreja. Foi exilado do seu arquivo pouco tempo antes de morrer. Alguns dos documentos guardados na Torre contêm boatos que sobre si corriam, como, por exemplo, que participara, por várias vezes, em festividades sacrílegas e que partilhara refeições com os homens mais perigosos da Europa. Contar as histórias requer “uma imersão no próprio arquivo para compreender os seus estranhos hábitos e as suas práticas invulgares”.

1Cfr. Torre dos Segredos, obra de Edward Wilson-Lee, que seguiremos de perto