SANFONINAS

dr. jose
Sem pressas…
Andamos numa correria, deixamos as coisas a meio, deixamos as frases a meio, na ideia de que «a meio entendedor meia palavra basta» e todos serão bons entendedores…
«A agitação é uma das grandes feridas do Mundo moderno. O homem tem demasiado trabalho e quereria fazê-lo todo. Como lhe falta tempo para o conseguir, apressa-se, corre, enerva-se, cai na excitação ou no desencorajamento e, por fim, torna-se intolerável, fatiga-se, abrevia a sua vida, não faz tudo aquilo que queria e faz metade daquilo que faz. É um fracasso.» (Michel Qouist, Construir, 1965, p. 121).
Leu bem: 1965! A tradução portuguesa do livro, publicada pela Livraria Morais Editora, data de 1965. Há 55 anos!...
E há 55 anos nunca suspeitaríamos que viríamos a ter a nossa caixa de correio electrónico diariamente atravancada de mensagens, de que, a maior parte das vezes, nem o «assunto» lemos. Aliás, esse é também um erro, porque, amiúde, o «assunto» não é nada aquele que está gravado e o remetente limitou-se a agarrar numa qualquer mensagem tua que recebeu e aproveitou para te falar de um tema completamente diferente!...
Não se lê. Não há tempo. Por isso há empresas que já industriaram o seu computador de serviço para responder. Assim se compreende por que razão, há uns três anos, eu enviei a uma editora a recensão que fizera a um livro por ela publicado e a resposta começava mais ou menos nestes termos:
«Teremos muito gosto em publicar o seu livro, que terá connosco a maior difusão inclusive além-fronteiras…»!
Parte-se, pois, do princípio de que toda a gente quer publicar nessa editora, a troco do fixado pagamento…
Os cientistas são obrigados a publicar, sobretudo em revistas ditas conceituadas, por constarem de um elenco gerado – vá-se lá saber como e com que critérios… – por um também conceituado grupo de especialistas na matéria. Criaram-se, em consequência (que o mercado era vantajoso!), empresas editoriais predadoras que, a troco de umas centenas de dólares, te publicam o que quiseres. E dois cientistas, após terem recebido o convite duma dessas editoras para a escolherem, mandaram para apreciação umas quantas páginas em que repetiam até à exaustão a frase, que não traduzo, «Get me off your fucking mailing list». O texto foi aceite… a troco do pagamento prévio de 150 dólares!...
Apetece, pois, aproveitar a cadeira à sombra acolhedora da árvore e, sem pressas, saborear os momentos que nos são dados para viver… Sem pressas!