CECÍLIA PINA E O ESCUTISMO

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O COVID-19 entrou abruptamente nas nossas vidas e tomou conta de tudo. Por forma a que também os nossos leitores possam “desconfinar” um pouco daquele que tem sido o tema central das páginas da comunicação social, falamos com Cecíla Pina, Chefe dos Escuteiros de Mangualde, que nos deu a conhecer um pouco do seu percurso de vida dentro do escutismo.

RENASCIMENTO - Nasceu, cresceu e fez a sua vida em Mangualde. Conte-nos um pouco da sua história.
CECÍLIA PINA - De facto, cresci e tenho feito a minha vida em Mangualde, embora tenha nascido em Coimbra.
Não tive irmãos o que, na minha opinião, me deu mais desvantagens do que vantagens….
Cresci com uma educação um pouco rígida, com algum “filtro” na escolha de amigos, muitas regras e “etiquetas” (que eu detestava!)
Casei aos 20 anos, tive 2 filhos e, muito conscientemente, troquei a continuação dos estudos, a nível superior, pelo papel de mãe “a tempo inteiro”. Dou graças a Deus por isto! Penso que, só quem vivenciou, pode perceber o que digo!
Orgulho-me do resultado final e fui (sou) muito muito feliz!

RENASCIMENTO - Quais foram os motivos que a levaram a ingressar nos Escuteiros de Mangualde? Foi acompanhada nessa altura por colegas, por amigas e amigos?
CECÍLIA PINA - Talvez por não ter irmãos e ter feito os meus estudos, desde a primária até ao final do secundário, no Colégio de S. José e Sta Maria tendo, por isso, um numero reduzido de amigos para brincar e conviver, me sentia atraída e fascinada pelo Escutismo, que já existia em Mangualde…
A Natureza, as aventuras, a simbologia, os acampamentos, as mochilas às costas, a sobrevivência, a amizade, a cumplicidade, a união do grupo…, enfim… tudo me cativava e encantava.
Os meus pais nunca me deixaram ser escuteira!…. “impensável, não é próprio para uma menina…”
Pelos vistos, eu merecia e este desejo veio a ser concretizado quando comecei a namorar com um escuteiro. Comecei a participar (como observadora) em algumas actividades, convidada pelo Chefe Garcia (Chefe de Agrupamento na altura) e, algum tempo após o casamento, entrei para o Agrupamento, fazendo a minha promessa de Dirigente (chefe) em 1985. Esse foi “o 1º dia do resto da minha vida”

RENASCIMENTO - A religião, o seu culto religioso, teve alguma influência na tomada de decisão em se tornar escuteira?
CECÍLIA PINA - De modo nenhum! Apenas mais uma afinidade, visto eu ser católica, seguidora de Jesus Cristo e o CNE (Corpo Nacional de Escutas – Escutismo Católico Português) estar ligado à Igreja Católica.
A “magia” única do Movimento Escutista (o maior Movimento de jovens do Mundo), criado por Baden_Powell em 1907, do qual faz parte o CNE, é que foi, sem dúvida a influência principal na minha decisão.

RENASCIMENTO - Como é que os seus pais entenderam essa decisão? Como perceberam a sua atividade de e como escuteira? Gostavam ou simplesmente aceitaram a sua decisão?
CECÍLIA PINA - Como referi anteriormente, eu não fui escuteira enquanto sob a orientação dos pais. Mais tarde, quando perceberam que toda a família que eu constitui, era feliz vivendo este Ideal de vida…. sim, até ajudavam em pequenas coisas.

RENASCIMENTO - Qual foi a primeira perceção que teve quando se sentiu, realmente, como escuteira? Viveu conflitos? Algum dia pensou em desistir?
CECÍLIA PINA - Sem dúvida a realização tardia de um desejo.
Conhecia já bastante bem o Movimento, o que me era pedido, a que me obrigava para o resto da minha vida! Era uma promessa, uma divisa (Sempre Alerta para Servir), o exemplo a todos os níveis,… enfim aquilo a que eu chamo “o peso do lenço”. Um escuteiro não o é só quando anda uniformizado… é sempre!
Ser escuteiro adulto, criança ou jovem (cada um na proporção da sua maturidade) é ter adotado um modo de vida, é ter um Ideal, é ter uma Lei, Princípios e uma Promessa para cumprir.
Conflitos? Um escuteiro adulto tem que saber gerir do melhor modo todas as pequenas coisas menos agradáveis que por vezes surgem vindas, quase sempre, de fora do Movimento.
Obviamente que já houve momentos menos bons… no entanto nada que, de algum modo, beliscasse a minha promessa e não fosse resolvido tendo sempre em conta a isenção.
Desistir? Como desistir?! Ninguém pode desistir de algo que assume, livremente, em Promessa feita perante Deus, a comunidade, os escuteiros (incluindo os mais novos)…. Isso não existe! Serei sempre Escuteira até que vá para o “acampamento eterno”!
Será que me queria perguntar se alguma vez pensei abandonar o Movimento? Nunca mais vestir o uniforme?
Se assim foi, respondo que ainda não mas, possivelmente, quando for um pouco mais velha…. deixarei de estar ativamente no CNE, continuando, no entanto, a ser escuteira e a viver esse Ideal!

RENASCIMENTO - Transformou-se em chefe dos escuteiros. Qual é, assim, o tipo de vinculação que desenvolveu, ou que assume, com os escuteiros/as em termos globais?
CECÍLIA PINA - Um/a chefe de escuteiros é um/a educador/a! Educa pela ação (aprender fazendo) e forma pelo exemplo. O exemplo será sempre a único modo de formar, penso que todos temos essa certeza! O Escutismo tem a sua Lei, Princípios, a sua própria metodologia (ask the boy) e é através dela, fazendo o que eles mais gostam de fazer (jogar), que eu/chefe, alegre e calmamente, quero sempre chegar ao objectivo final – jovens/adultos felizes, cidadãos ativos e bem integrados na sociedade!
Baden-Powell foi bem claro quando disse que “os princípios do Escutismo estão todos certos. O êxito depende do chefe e do modo como ele os aplica”. Assim sendo, há, de facto, uma grande responsabilidade inerente à missão de um chefe de escuteiros….
A satisfação que sinto depois de verificar que cumpri o meu dever, assumido livremente na minha promessa, por vezes à custa de algumas desilusões….. é a Recompensa

RENASCIMENTO - Na vinculação assumida, que será sempre afectiva, qual a importância dela nos jovens?
CECÍLIA PINA - A autoridade de um chefe de escuteiros é simplesmente a de quem ama!
O Chefe é sempre o “irmão mais velho” dos seus escuteiros! Aquele que ri com eles, que chora com eles, que os ouve e que os entende… aquele que guia e orienta sem empurrar, que os ajuda a chegarem onde eles pretendem, atingindo o máximo das suas potencialidades.
O chefe consegue que o seu escuteiro, todos os seus escuteiros, confiem nele sem hesitar!
Há, entre chefe e escuteiro, uma relação de cumplicidade e amizade que fica para toda a vida!

RENASCIMENTO - Tem alguma influência especial na condução dos jovens escuteiros, o facto de ser mulher? Com quem se dá melhor? Com os rapazes ou com as raparigas?
CECÍLIA PINA - Sinceramente, penso que não. Poderá ser que, em algumas situações pontuais, haja da parte de uma chefe, um pouco mais de sensibilidade mas… o inverso também se aplica!
Quanto à 2ª parte da pergunta e também sinceramente, nunca tinha pensado nisso! Nunca tive essa perceção….
Penso que o facto de eu nunca me ter apercebido disso, deve-se ao “espírito escutista” que nos une… que, pelos vistos, não tem sexo! São crianças e jovens, iguais a si próprios e a/o chefe lida com todos e cada um de acordo com a sua personalidade.

RENASCIMENTO - Nessa relação, o que é que sobressai do facto de ser mãe?
CECÍLIA PINA - Ser mãe é sem dúvida uma mais- valia. No entanto, quando os meus filhos nasceram eu já era chefe e, então, penso que mesmo em casa, sem dar por isso eduquei os meus filhos com o “colinho” de mãe mas sem nunca conseguir dissociar-me do Método Escutista que, para mim é o mais correto e o que resulta em melhores resultados finais.
Assim sendo, pouco sobressaia; digamos que o Escutismo era o prolongamento do que acontecia em casa e vice-versa. A potenciar, existia também o facto de, em casa, todos sermos escuteiros, até o cão se chamava Balú (urso no Livro da Selva, de Rudyard Kipling, que inspira o imaginário dos Lobitos)

RENASCIMENTO - Que tipo de desafios vive quando orienta os jovens nas suas actividades. Experimenta necessidades de produzir mudanças, na orientação dos jovens?
CECÍLIA PINA - O/a chefe, como irmã/o mais velho/a, é capaz de ver as coisas sob o ponto de vista dos seus jovens. “Inventa” novas actividades para satisfazer-lhes a sede de “aventuras” e assim, fazendo o que gostam, vivendo em pequenos grupos (micro sociedade), cada um com a sua função, aprendem (jogando) e desenvolvem-se harmoniosamente em todas as áreas. O/a chefe, que conhece bem cada um dos seus escuteiros, só tem que, discretamente, “enriquecer “essa atividade de modo a que sejam superadas todas e cada uma das suas fragilidades!

RENASCIMENTO - Nas actividades que conduz, sente-se limitada pelo facto de ser mulher? E quando surgem conflitos, como é que os vive?
CECÍLIA PINA - Obviamente que não! Bem pelo contrário, como já referi, o facto de ser mulher e mãe é apenas uma mais-valia!
Conflitos? O melhor meio para desenvolver o carácter dos nossos jovens, é atribuir-lhes responsabilidades.
Os escuteiros vivem em pequenos grupos e é aí, cada um com as suas responsabilidades, e sob a orientação de um Guia, que os conflitos têm que ser resolvidos! O/a chefe (irmã/o mais velho/a), vai aconselhando e lembrando a responsabilidade que têm pelo facto de serem escuteiros e terem sempre em linha de conta a Lei, os Princípios e a Divisa.
Cada escuteiro compreende que ele é, por si, elemento responsável e que a honra do seu Grupo depende, de algum modo, do seu comportamento….
No Escutismo, o jovem auto-educa-se, em vez de ser instruído!

RENASCIMENTO - Em Mangualde, como é que se vivencia como escuteira? Sente alguma perceção especial sobre si pelo facto de ser escuteira?
CECÍLIA PINA - Quando, há 35 anos, fiz a minha promessa de dirigente (chefe) do CNE (Escutismo Católico Português), não tinha dúvidas que era um compromisso sério; que seria “o primeiro dia do resto da minha vida”. Tinha acabado de adotar um modo de vida que sabia ser de felicidade mas de muita responsabilidade e entrega…
Assim sendo, em Mangualde ou em qualquer parte do mundo, fardada ou não, a minha vida será sempre fazendo os possíveis por ser fiel à promessa – “cumprir os meus deveres para com Deus a Igreja e a Pátria, auxiliar o meu semelhante em todas as circunstâncias, obedecer à Lei do Escuta e desempenhar o melhor que puder as obrigações da missão que é confiada.
Há, de facto, por parte da comunidade, uma expetativa elevada em relação às atitudes de um Escuteiro. Não me incomoda! Entendo isso apenas como um estímulo e/ou um “lembrete” e fico feliz tentando “deixar o mundo um pouco melhor do que o encontrei”

RENASCIMENTO - Nesta situação epidémica que, hoje, vivemos, quais são os tipos de propostas que o escutismo apresenta e/ou poderá apresentar aos jovens?
CECÍLIA PINA - Baden-Powell diz - “É preciso andar. De nada serve estar parado. Não há alternativa: é o progresso ou a inércia. Avancemos e…com um sorriso no rosto!”
O escuteiro está preparado para enfrentar, resolver e contornar as dificuldades com que se depara.
Perante esta situação epidémica e fazendo jus ao lema ALERTA e SEMPRE ALERTA PARA SERVIR, chefes, caminheiros e pioneiros do agrupamento 299, uniram-se de imediato, em rede, à autarquia e instituições a fim de alertar, prevenir, proteger e ajudar no que fosse necessário, possível e viável.
Desde a participação diária no CCOM, na preparação de espaços e montagem de camas em lares para isolamento de utentes, nas limpezas, nas passagens semanais pelas aldeias do concelho com mensagem sonora, na elaboração de vídeos e cartazes temáticos para apoiar os alunos no regresso às aulas, na dinamização de sessões de esclarecimento nas turmas que regressam às aulas presenciais, em conjunto com a equipa de saúde escolar, tudo foi feito, como dizemos na nossa oração, “…. dar-me sem medida, a combater sem cuidar das feridas, a trabalhar sem procurar descanso…”
No que diz respeito às nossas actividades semanais, obviamente, não nos deixámos vencer! Até chegar o dia em que de novo todos vamos acampar, fazer jogos,aprender-fazendo…, encontram-nos online e, assim, vamos mantendo bem vivo o nosso “espírito de grupo”. Fazemos projectos para o futuro próximo e, desafiando um pouco o Escutismo, adaptamo-lo ao modo virtual, cheios de fé e de esperança de, em breve, podermos viver o Escutismo na sua essência

RENASCIMENTO - A finalizar, explique-nos um pouco a importância do escutismo na formação dos jovens
CECÍLIA PINA - Penso que, se esta entrevista for lida pela ordem das perguntas que me fez, já terão a resposta para esta.
No entanto e, tendo em conta que poderá não ser assim…, direi:
O Escutismo, a nível mundial, tem como finalidade contribuir para o desenvolvimento integral das crianças e jovens, ajudando-os a realizarem-se plenamente no que respeita às suas possibilidades físicas, intelectuais, sociais e espirituais.
Educa segundo um método próprio – aprender fazendo; educa de dentro para fora; não se ensina por palavras nem por definições escritas em livros.
Prepara para a vida e educa para a cidadania!
Obrigada