Duas ciganas, uma lia na palma da mão

patrao
Estes rapazes tinham sensivelmente treze a quinze anos, quando uma cigana abrasileirada e por dois quilos de batatas leu a sina a esses dois jovens…. E, não é que acertou!
Ao mais velho disse, vais ser muito feliz. Vai ter um minino e uma minina. Acertou.
Ao outro também acertou em tudo o que lhe foi dito, e este, tentou mudar o rumo de sua vida. Não conseguiu. Por isso se fala muito em destino. Destino bom para uns e menos bom para os maus. Ou foi mesmo a cigana que lho marcou?...
O homem tem de carregar na memória coisas da vida e coisas da alma.
Só há uma coisa na vida que é nossa, essa ninguém nos consegue tirar que é o pensamento. Cada um de nós carrega muita coisa que não presta e só um dia será despejada com a morte. Muitas das coisas que vamos colhendo ao longo da vida não prestam. Dentro de tudo, recordamos apenas uma palavra essencial, um gesto puro. Bom dia, boa tarde, boa noite, olá, olha se precisares de algo diz, as melhoras para ti e os teus.
A lição que nos dá um incapacitado, que poucos sabem que o é, nessa lição há um alto e silencioso protesto de raiva, ou não. Este incapacitado que limpa seu passado da vida não está conformado, é um herói silencioso. A vida o obrigou a fazer muito daquilo que não queria ele aceita sua missão, mas a supera com esse protesto de beleza e dignidade ou não. Muitos recebem os bens de seus pais com o cérebro sujo, mas tentador da vida, e não sabem o que lhes custou a vida em tempos muito difíceis.
Esse homem não sei que infância teve, que sonhos lhe encheram a cabeça de jovem, na adolescência se uma cigana imprudente, lhe mostrasse um retrato real de seu futuro e este acreditasse, gordo, manco, cheio de pó e desalentado talvez tivesse sucumbido. Mas diz o povo e com razão “a esperança é a última a morrer”. Nesta frase de esperança existe uma crueldade de vida. A esperança sobrevive à custa de mutilações, mutilações essas para um caminho ou para outro, ou seja o bom caminho e o mau caminho.
Há uma altura em que nos vamos secando devagar, nos despedindo de uns pedaços de si mesmo, se apequenando e empobrecendo e no fim se reduz ao mais alto elementar instinto de sobrevivência.
Os médicos jogam no homem a esperança e este se revolta para além da barreira da morte, na crença prometida, enfrenta calado, e só se arruína de si mesmo, até ao minuto em que deixa de esperar mais um sopro de vida, e espera como um bem sagrado o sossego da morte. Depois de certas agonias, o rosto glorioso da morte parece dizer: até que enfim, desta vez não me enganaram.