“É gordinho, mas come poucos doces…”

Ana Cruz
Infelizmente é cada vez mais frequente a incidência de excesso de peso nas crianças e adolescentes. É um flagelo bastante evidente e estudado por profissionais nas variadíssimas áreas, desde medicina, nutrição, educação física e comportamentos sociais. Antigamente, era enaltecido essa imagem do bebé gordinho, da criança “bem constituída” como sinal de saúde e boas condições sociais e económicas por parte da família. Essa disposição está relacionada a uma distribuição económica desigual, própria de uma sociedade totalitarista, como ditaduras que podem versar idealismos de direita ou de esquerda. A política tem protagonistas de extremos, mas cujos os resultados são muito similares, cujas as metas são: cativar o poder do Estado e por sua vez controlar as massas, entenda-se o Povo. A fome era um instrumento utilizado para impor o controle nas famílias, especialmente as menos privilegiadas. Era vulgar a magreza extrema nos filhos dos “pobrezinhos”, era vulgar os excessos na família de quem os “pobrezinhos” serviam. De fato, quase toda a produção agrícola era sabiamente desenvolvida pelos “incultos” e “néscios” agricultores, de outrora, para que os insolentes proprietários de “punhos de renda” da altura usufruir do resultado agrícola de forma financeira, dando-lhes estatuto superior. Felizes era aqueles que tinham um patrão magnânimo e não professavam a avareza.
Assim a ideia da “Gordura é formosura!” era sinal de estatuto social, de casta superior, de carteira bem abonada! Ser gordo era reconhecido como uma pessoa sem preocupações na vida, por sua vez bem-disposta e sempre simpática. Ser magro tinha uma conotação relacionado com pobreza, pessoa necessitada e por sua vez doente. Quem nunca ouviu: “Estás tão magro! Que aconteceu estás doente?”.
Hoje em dia, os conceitos alteraram e é senso comum reconhecer o excesso de peso como um dos fatores de risco para futuras doenças, associadas a patologias nas articulações, de foro cardíaco e circulatório para além da mais divulgada, a Diabetes, associada a patologia de foro endócrino. Isso é confirmado com múltiplos estudos científicos, mas então porque continuamos a contornar a questão? Especialmente, na faixa etária mais jovem?
Existem vários métodos para estabelecer que uma criança\ jovem está com excesso de peso, sendo as curvas de crescimento e a correspondência com os percentis o método uniformizado para a avaliação do estado nutricional de uma criança\ jovem. A interpretação é bastante simples, no Boletim de Saúde Infantil e Juvenil- BSIJ (o livrinho azul ou cor de rosa que o Ministério da Saúde criou desde 1981), existem umas tabelas com os parâmetros biofísicos que devem ser avaliados nas consultas do médico\ enfermeiro. O peso, a altura\ estatura, o perímetro cefálico e o índice de massa corporal (IMC) são registados nessas tabelas pelo profissional de saúde que avalia a condição física da criança, de preferência seria o médico. Nessas tabelas existem uns algarismos no lado direito (5,10, 25,50,75,90 e 95), que são os famosos percentis infantis. No fundo, trata-se de um exaustivo estudo estatístico, a nível mundial do desenvolvimento das crianças, incidindo na etnia, sexo e população onde a criança está inserida. Assim, por cada 100 crianças avaliadas, segundo esse estudo, irá existir uma constante servindo de referência para técnicos de saúde. Assim se uma criança estiver no percentil 5, significa que 5% da população de crianças com aquela idade têm aquele parâmetro igual. Logo, apenas 4 em 100 crianças têm valor inferior e 95 crianças têm valor superior. Confuso? Nem por isso, vou exemplificar: imagine que o seu pediatra após as medições todas regista no tal livro (BSIJ), e muito calmamente diz: “Pois temos de ver o que Rodrigo anda a comer porque está com o peso no percentil 95!”. Possivelmente, irá esbugalhar os seus olhos e questionar “O que ela disse? Não percebi nada”. E se tem algum receio de incomodar o médico com perguntas, sairá do consultório a considerar algo de errado se passa. Mas no fundo o que o médico quis dizer foi “O seu filho é aquele que, em cada 100 crianças na idade dele, só tem mais 5 crianças que têm mais peso que ele. As restantes 94 crianças são mais levezinhas”. E se tiver a sorte de ter um médico que não alarma ainda diz: “Mas isto é apenas uma referência, se mantiver este valor nas próximas consultas é que devemos de nos preocupar!” De fato percentis que devem gerar preocupação imediata são o 3 e o 97, porque pode indicar, sem certeza, de alguma alteração no desenvolvimento na criança.
Quando se trata de um bebé, qualquer pai, mãe, avós têm uma tendência de considerar que estão a fazer algo de errado e quase sempre consideram ser falta de algo… Falta de comida, falta de calor, falta de… Por vezes o bebé quer apenas afeto e calma, e umas massagens para aliviar as cólicas! Mas quando as crianças chegam aos 2\3 anos já sabem o que querem e por vezes manipulam e chantageiam os pais, avós e cuidadores com birras incessantes e choros excruciantes, que muitas vezes são compensados com alimentos processados, de fácil acesso e economicamente mais disponíveis. E aí surge o título deste artigo “…come poucos doces!”
A verdade é que a família é a única responsável para alterar os comportamentos e atitudes da criança, os profissionais de saúde colaboram fornecendo informações mais adequadas e orientar para o emagrecimento seguro e saudável. No entanto, todos na família devem ser coerentes no processo e estar a correntes das informações corretas. Porque no fundo a magreza não é sinónimo de beleza, assim como a gordura não é sinal de formosura, nos tempos que correm…