REFLEXÕES

Património Cultural (12)
Citânia da Raposeira
Se eu pretendesse fazer a descrição de alguns dos períodos mais significativos do trabalho de campo tinha um sem número de episódios alguns verdadeiramente grotescos, outros divertidos e outros em que teve de se contornar comportamentos vergonhosos da parte de um ou outro cidadão que entendiam que o mundo era seu. Como um notável que tendo adquirido um terreno confinante com o campo, entendeu tapar uma serventia muito antiga dizendo que tudo aquilo era dele. Ora, era por ali que desde o começo das escavações, se fazia a passagem de todos os veículos que davam apoio aos trabalhos - camiões que carregavam as toneladas de terra resultante das actividades, dumpers que para além de outros serviços transportavam artefactos e ferramentas necessárias, e os veículos da equipa. Deixou-nos completamente bloqueados. Muito calmamente fomos procurar clarificar a situação com o senhor que tentava levantar um muro para fechar de vez a passagem, e encontramos uma pessoa intratável e ameaçadora. Uma colher de pedreiro que ele tinha na mão ainda a vi muito próxima da minha cabeça. Informamos a Autarquia e esta ficou num impasse, receosa que um contacto resultasse num avanço violento ( foi por este tempo que num concelho a algumas dezenas de km um vereador foi assassinado por um cidadão nada amistoso). Depois de semanas a acumular montanhas de terra, à espera duma solução a Câmara decidiu contactar um outro vizinho que permitiu a abertura de um acesso por um seu pinhal facilitando-nos a passagem dos veículos. Por vezes caiam-nos em cima situações nada agradáveis decorrentes do temperamento e incompreensão de um ou outro cidadão. Para aliviar as tensões e o desgaste de energias do dia a dia surgiam outros episódios divertidos proporcionados por “visitantes” que faziam perguntas sobre o lugar não acreditando que o que se estava a descobrir eram vestígios com dois mil anos de “vida”… Diz o simpático senhor Isidro.. Ná!!.. na pode ser…que isto já estava aqui no tempo de Cristo ?!! Ná… nem pensar…! Atão até andei aqui há anos a lavrar e amanhar esta terra, nunca vi cá nada !… Olhe que sim, senhor Isidro, é verdade . Eu tentava dar- lhe uma explicação esclarecedora, um bocadinho de história…mas ele ia-se embora terreno acima a abanar a cabeça…na não !! Era o que faltava…! Mas ao outro dia estava ali de novo porque gostava de ver, embora não convencido das “patranhas” que eu lhe queria impingir. O senhor Isidro, já partiu há muito e tenho saudades de voltar a ouvi-lo a discordar das minhas patranhas. Era um bom vizinho e quando terminávamos cada dia de trabalho era ele um verdadeiro fiscal das ruinas que iam surgindo. Mesmo não encaixando as “patranhas” do tempo de Cristo… aquilo era digno de se ver e de se defender dos “invasores “ que, fora de horas, por ali passeavam pelas noites quentes de verão e cujos testemunhos não eram nada meritórios.

30 novembro 2020