REFLEXÕES

Património cultural 27
Área romanizada da Raposeira
Muito havia a dizer acerca das problemáticas iniciativas no mundo da arqueologia em território do concelho de Mangualde. Em princípio dos anos 80, empenhei-me com mais meia dúzia de mangualdenses na criação da ACAB, associação vocacionada para o Estudo e Defesa do Património Cultural do nosso concelho. Um campo de acção que me entusiasmava particularmente e do qual tenho intenção, se houver tempo, de fazer também a sua história. E foi com a ACAB que desenvolvi um vasto programa de estudos arqueológicos no concelho a partir de 1982. Da zona da Raposeira tenho feito notícia. E terminarei esta odisseia fixando-me na área das ruinas presentemente visitáveis. Foi por estranho que pareça, o único verdadeiro testemunho que restou depois de 12 anos de intensos e duros trabalhos de escavações. Poderia ficar satisfeita pelo facto, mas não! E agora terei de justificar a minha tristeza e revolta… Então começarei pelo princípio do fim. É que no final das campanhas de escavações, em 1997, a área posta a descoberto não era, apenas, aquilo que se encontra “ restaurado” actualmente. Na realidade, dos alicerces que definiram um complexo arquitectónico muito importante para o conhecimento da ocupação romana no nosso território, digamos que, “trataram do corpo”, mas cortaram-lhe as pernas. Recuando a 1990 aquilo que já se encontrava a descoberto, isto é, a relação entre as estruturas e os espaços que se determinavam, já nos faziam entender que estávamos na presença de uma casa com “termas” (ou banhos) privadas, pequenas, mas completas, com a sua área de serviços, seguindo-se a zona quente, ou seja o “ caldarium” e o” tepidarium”, terminando no “frigidarium”. Este conjunto deu-nos a certeza de que assumiria alguma importância no contexto romano da zona, porque já tínhamos definida pelo menos uma via que atravessava aquele território, passando muito próximo destas instalações. Então, com o imprescindível e sábio apoio do Mestre da Arqueologia em Portugal e meu estimado Amigo Professor Doutor Jorge de Alarcão a interpretação que fizemos dava-nos a certeza de termos descoberto uma estalagem (ou “mansione”) onde encontrariam descanso e possibilidade de fazerem a sua higiene todos os viajantes ou tropas que circulassem por esta zona. Partindo deste pressuposto, havia a necessidade de tentar interpretar os espaços que já se conseguiam definir. Teríamos uma área de armazenagem de produtos, no topo mais a norte, com testemunhos possíveis de entender – fragmentos, em grande quantidade, de louça grosseira- contentores de líquidos - vinho, azeite - pela representação de asas e bordos de ânforas, bem como largos bordos de grandes potes “dollia” para outro tipo de substâncias algumas provavelmente sólidas. Numa divisão contínua foram postos a descoberto vestígios estruturados de uma lareira com cinzas junto de uma pedra de lar. Aqui encontramos alguns utensílios em ferro destinadas à execução de trabalhos de pedreiro (cinzeis e escopros ) e de trabalhos em madeira. A descoberta desta área deixou-nos muito entusiasmados porque nos permitiu fazer uma interpretação, talvez muito próxima da verdade, das diversas actividades que ali se desenvolveriam. Terei, ainda, de continuar por aqui…
Julho 2021