O que mais nos falta acontecer


O mundo está diferente. Depois de dois anos tumultuosos e difíceis por causa de uma pandemia inesperada, o mundo está agora numa crise económica e política causada por uma guerra no leste da Europa entre a Rússia e a Ucrânia.
Em março de 2020, a nossa perspetiva sobre o mundo, sobre a vida, sobre as pessoas e sobre as nossas rotinas mudou. Fechámo-nos em casa com medo de um vírus potencialmente mortal que se transmite através do ar. No início, gritávamos que ia ficar tudo bem. Hoje, sabemos que não ficou tudo bem. Não ficou tudo bem para ninguém, mas sobretudo para quem foi infetado e ficou com sequelas, para quem perdeu familiares e amigos, para quem viu desmoronar os seus negócios. Hoje ainda não está tudo bem e não sabemos se algum dia vai estar. E isto não é uma visão pessimista, é apenas a constatação de que a vida, tal como a conhecíamos, dificilmente voltará.
Agora que começávamos a ver alguns rasgos de normalidade, uma forma nova de ser normal, é claro, mas um tempo em que vislumbrávamos novamente a possibilidade de viver as nossas vidas, com as restrições gradualmente a deixarem de existir, rebenta uma guerra. Penso que nenhum de nós pode ter a real noção do que isto significa, porque é longe, mas, o longe torna-se perto, não necessariamente a guerra (ainda que possa acontecer), mas as suas consequências.
Além de tudo o que vai mexer na economia, a crise humanitária será inevitável. Desde estrangeiros a morar na Ucrânia, que tentam, por tudo, regressar aos seus países ou, simplesmente, sair do país que os acolheu e que agora está a ser atacado, até refugiados ucranianos que vão procurar segurança além-fronteiras e, em resposta à crise económica, as carências por que as famílias de vários países vão passar e que podem também colocá-las em situações vulneráveis em termos sociais, de saúde e humanos.
Que a pandemia nos tenha preparado para isto. Que a solidariedade que em tempos vivenciámos se reflita agora no acolhimento destes que veem a sua pátria em guerra. Em Portugal, são muitos os imigrantes ucranianos, há vários anos, tendo na sua maioria deixado família no país de origem. Se for sua vontade trazê-los e caso tenham essa possibilidade, saibamos olhá-los como o que são: pessoas que deixaram tudo, para sobreviver a uma guerra que não é sua. Não apontemos dedos, não levantemos o nariz, nem viremos a cara. Hoje os problemas estão na porta ao lado, mas não sabemos quando baterão na nossa.
Enquanto docente, tenho vários alunos de nacionalidade ucraniana ou de filhos de pais ucranianos e é muito difícil não sentir o medo e o receio que vai nos seus corações. Tem sido aterrador ouvi-los dizer que os seus pais vão partir para a Ucrânia e para a guerra para defenderem o seu país. Ver estas crianças a chorar e a sofrer leva-me a meditar sobre o que nos reserva o futuro e o que podemos fazer para ajudar. Não há fórmulas mágicas nem se esperem dias melhores tão cedo. Resta-me procurar dentro das minhas capacidades palavras e gestos de conforto para que os que cá ficam saibam ser bons alunos e posteriormente melhores cidadãos.