RETALHOS DE UMA VIDA

CAMPOS DE ABRIL
Acabava o dia comprido e duro, com os arados desde pela manhãzinha a rasgar as terras de termo a termo, fundos, cortantes e austeros. As juntas de bois a escorrer monco das narinas, de canelos besuntados de estrume, firmavam o cachaço na canga e continuavam aquele penoso caminho de vai e vem. O engate da aiveca, saltava no pé da vara, a relha mudava de direção e a terra abria-se noutro golpe fresco, odoroso e largo. As horas como as ervas daninhas, ferrã, leitugas, saramagos, milhã e margaças, cortadas pelas enxadas e pela charrua do arado, caíam submissa na frescura do rego e adormeciam como em eterno sono. Apenas o suor que escorria pela testa dos homens e ilharga dos animais, os afligia. Paravam de quando em vez e olhavam enlevados o rego de água a correr. Um íntimo sentimento de justiça distinguia o trabalho do homem do esforço imposto aos animais. Até que o dia chegava ao fim cansado, já com as fisionomias dos rostos e do focinho dos animais esfumados no lusco-fusco.

  • Seja louvado Nosso Senhor Jesus Cristo!…
  • Para sempre seja louvado e bendito!…
    Eram as palavras de despegar, já esperadas desde o amanhecer. De tanto se dobrarem sobre as leivas e de se enterrarem belas, os corpos já tinham esquecido o momento da libertação e da ceia. Ao crepúsculo que descera e obrigara a largar o trabalho, sucedera um luar tépido de noite de Abril. Pelo caminho fora, os seus corpos tinham agora a frescura da terra molhada e perdiam-se nas sombras das ramadas espessas. E nessa viagem de luz, conscientes das energias gastas, exaustos e ressequidos, comiam e bebiam, descansavam o corpo dorido. O clarão do fósforo aceso dava-lhes a dureza do seu rosto. Tiravam duas fumaças e lá partiam para uma merecida e reparadora noite de descanso. O dia tinha morrido azedo, mas o que viria a seguir seria ainda mais amargo. Manhãzinha, contam os galos madrugadores. Sai o pastor com o seu rebanho que aparentemente sem se mexer se afasta minuto a minuto, deixando para trás o terreno pastado e assim a aldeia lhe fugia dos olhos. A aldeia despertava, clara o soalheira, as chaminés começavam a fumegar e as flores na pureza da paisagem, exaltam seus aromas matutinos. Amanhece o dia, é augúrio de um novo mourejar.
    Que povo este que além disto nada mais lhe resta!…