Vai aqui uma açorda!


“O pão nosso de cada dia nos dai hoje…” É com esta oração que os cristãos recordam dia após dia que não somos criaturas auto-suficientes, que todos os dias precisamos de nos alimentar. Uma prece semelhante à imploração de um mendigo, um grito muitas vezes abafado, de muitos homens e mulheres que não pedem apenas o “meu”, mas sim o “nosso” alimento, o mais básico de todos e que pode até ser o único em muitas mesas.
As carências da sociedade, bastante fragilizada por uma pandemia que se arrasta, foram amplificadas com a guerra entre a Russia e a Ucrânia, dando continuidade a um ciclo de subida de preços generalizado. No caso particular dos cereais, o verdadeiro problema pode mesmo vir a ser a escassez do produto, levando à procura de outras soluções.
Muitos desconheciam que a Ucrânia é e será sempre um dos maiores produtores de cereais do Mundo, porque tem as condições ideais e isso ninguém lhes tira, consigam eles manter as suas fronteiras e as suas terras. Mas por enquanto, os stocks de trigo existentes nos portos Ucranianos estão a ser bloqueados e pilhados, como se tivessemos recuado ao tempo dos Vikings. A situação de guerra, as sanções impostas pela UE à Rússia, implicam que esta também deixe de ser uma opção no fornecimento de cereais, que em conjunto com a Ucrânia, representavam 30% das exportações mundiais de trigo e cevada.
Portugal produz apenas uns quantos grãos de trigo, face à necessidade. É altamente dependente da importação e apesar do aumento da área semeada nos últimos anos, os resultados tardam e dependem sempre das negociações da Política Agrícola Comum. A ambição é que a produção nacional satisfaça pelo menos 40% da necessidade a médio prazo. Há quem defenda que a cultura de cereais em Portugal é altamente sustentável, amiga do ambiente, geradora de muita mão-de-obra e que promove a economia circular. No sentido oposto, outros afirmam que a cultura intensiva de cereais, em particular a do trigo, é uma das culturas que mais contribui para a degradação dos solos e dos recursos naturais, pois a dimensão das propriedades em Portugal não permitem a prática do pousio.
Os tais grãos de trigo que conseguimos produzir, poucos, mas de qualidade, são essencialmente na região do Alentejo. No Alqueva, dá-se preferência a culturas permanentes, como o olival e outras culturas mais rentáveis, onde somos competitivos. O Governo lança programas para tentar reduzir a dependência externa, mas Portugal não tem dimensão para produzir em larga escala, para abastecer as industrias que dela necessitam. Apesar de ser uma cultura de Inverno, as condições climatéricas obrigam a regar as plantações, aumentando os custos de produção, tornando-as pouco rentáveis. a ser um luxo nos dias que correm.