CRISE DE ALIMENTAÇÃO


A guerra provocada pela Rússia contra a Ucrânia colocou vinte milhões de toneladas de trigo em risco de não poderem ser exportadas. Esta quantidade de trigo ucraniano foi bloqueada pelos navios russos no Mar Negro.
A Ucrânia desempenha um papel fundamental quanto ao fornecimento mundial de alimentos no que concerne especialmente aos mercados de cereais, trigo e óleo de girassol. Vários países, entre os quais Portugal, tiveram que encontrar um meio de obstar à falta destes produtos.
Tudo isto me trouxe à memória a descrição feita por Yuval Noah Harari acerca do Homo Sapiens, em História Breve da Humanidade. “A agricultura permitiu que as populações crescessem de forma tão radical e rápida, que nenhuma sociedade agrícola complexa conseguiria voltar a sustentar-se caso regressasse à caça e à recoleção”. Antes da transição para a agricultura, por volta de 10.000 a.C., a população era de cerca de 5 a 8 milhões de recolectores nómadas. No século I d. C. havia apenas 1 a 2 milhões de recolectores, sobretudo na Austrália, América e África, sendo um número irrisório quando comparado com os 250 milhões de agricultores de todo o Mundo.
Os excedentes alimentares dos camponeses alimentavam também os governantes e as elites. Esses excedentes “sustentavam a política, a guerra, a arte e a filosofia. Até à era moderna tardia, mais de 90 por cento dos humanos eram camponeses que se levantavam todas as manhãs para cultivar a terra com o suor dos seus rostos. O excedente que produziam alimentava a minoria que compunha as elites – reis, funcionários governamentais, soldados, sacerdotes, artistas e pensadores”.
Tempos houve em que os agricultores acreditavam nas histórias dos grandes deuses. Construíam templos para os deuses da sua preferência, ofereciam-lhes sacrifícios e pagavam-lhes em terras, dízimos e ofertas. Nas primeiras cidades da antiga Suméria, há cerca de 6000 anos, os templos eram centros de adoração e importantes núcleos políticos e económicos. Quer dizer, os deuses sumérios desempenhavam um papel equivalente ao das empresas modernas. Em cidades da antiguidade como Uruk, Lagash e Shurupak, na Mesopotâmia, os deuses funcionavam como empresas que detinham terras e escravos, cobravam empréstimos e pagavam salários.
Como os deuses eram imortais e não tinham herdeiros, iam acumulando cada vez mais bens. Um número de sumérios cada vez maior trabalhava para os deuses, pedia-lhes empréstimos e vivia em terras por eles arrendadas. As atividades diárias eram controladas pelos sacerdotes do templo. Estes, porém, sentiam dificuldade para se lembrarem de quais os bens que pertenciam a cada um dos deuses, de quais os empregados que já tinham recebido o salário e de quais os inquilinos que ainda tinham dívidas.
Estas dificuldades foram finalmente superadas, há cerca de 5000 anos, quando os sumérios inventaram a escrita e o dinheiro. Com a escrita cuneiforme, em placas de argila, tornaram possível a cobrança de impostos a milhares de pessoas.