SANFONINAS

Com corda e tudo!
De todos os que o Ti Zefo tinha no rebanho, era aquele que mais encantava o Chiquinho. Um cordeirinho que saltava, saltava, brincalhão. O Chiquinho fazia-lhe festas, festas, assim com olhos cobiçosos, quanto gostaria de o ter no seu quintal e de poder levá-lo a pastar! Só para ele. Que o Ti Zefo tinha uma porção deles e talvez não se importasse de lho dar. Podia até pedir aos pais que lho comprassem. Até já lhe dera um nome: o Saltitão!
Ti Zefo depressa percebeu o enleio e, numa tarde quentinha de Março, prometeu:
– Chiquinho, eu dou-te o Saltitão!
– A sério, Ti Zefo?
– A sério. Mas há uma condição: rezas o padre-nosso em voz alta, sem te distraíres um bocadinho.
E o Chiquinho começou logo:
– Pai nosso, que estais no Céu…
Ia aí no «pão nosso de cada dia», quando, de repente, se voltou para o Ti Zefo:
– Com corda e tudo, Ti Zefo?
– Sim, Chiquinho. Era com corda e tudo, se tivesses cumprido a condição: o padre-nosso até ao fim, sem distracção!…
Lembro-me diariamente desta história, ao abrir o correio electrónico. Não há dia nenhum em que o «assunto» da mensagem nada tenha a ver com o seu conteúdo; em que o corrector automático não tenha feito das suas, escrevendo uma estranha palavra, sem o remetente reparar; em que os erros ortográficos pululam… Tudo a denunciar pressa, vontade de despachar, uma distracção pegada! Como a do Chiquinho. Estava-se a fazer uma coisa e a pensar noutra.
Amiúde se diz «uma coisa de cada vez», «um dia de cada vez». Máximas sábias, essas! Como o letreiro das antigas passagens de nível: «ATENÇÃO!». É uma das poucas palavras alemãs que eu conheço: ACHTUNG!
Quando jovem, tive a sorte de ler, e sublinhar, o capítulo «Adestramento da atenção», d’A Arte de Estudar, de Mário Gonçalves Viana. Agora ancião, ainda o releio. Na consciência plena da anosognosia, o constante atropelo de ideias na cabeça. Tenho, por isso, papelitos por toda a casa: quando uma ideia surge, escrevo-a logo e volto ao que estava a fazer. Uma coisa de cada vez!