O Evangelho sobre duas rodas…

O Jornal Renascimento entrevistou o Sr. Padre Emiliano Soares, sacerdote e missionário brasileiro que atua na região do Arciprestrado da Beira Alta – Diocese de Viseu, conhecido como o “Padre da Motinha”

Fale-nos da sua origem
Nasci no Concelho de Quixadá, Estado do Ceará, região Nordeste do Brasil, numa das zonas mais pobres e secas do país.
No meio de um cenário de grande vulnerabilidade social a exuberância da natureza, pede passagem para as belas praias, montanhas e tradições locais, recheada de inúmeras histórias, mitos e lendas.
Sou proveniente de uma família muito pobre. No entanto, fervorosamente católica, estive a infância e parte da juventude numa aldeia chamada Jardim dos Monólitos, ali dei os primeiros passos físicos e na Fé. Eram tempos difíceis, lembro-me das dificuldades e distancias para chegarmos à escola e ao centro de saúde, percorríamos quilómetros a pé ou de bicicleta, lazer era uma palavra que não existia, tudo se resumia a uma pescaria, pequenas caças e jogo de bola com os miúdos da vizinhança. Lembro-me que por muitos anos não tínhamos televisão e frigorifico, isso colaborou diretamente em duas coisas, aprendi a escutar mais as pessoas, pelo fato de conversarmos muito em família e cuidar bem dos alimentos porque não tínhamos onde armazenar.
A juventude foi um tempo complicado, tive algumas rebeldias, achava que os meus pais me poderiam ter ajudado mais, foi preciso um bocadinho de tempo para entender que eles me deram o que tinham de melhor. Superado essa fase, percebi que Deus queria as minhas limitações para transformá-las em força e ajudar aos outros, foi então que decidi seguir o Chamado de Deus, que já sentia desde miúdo.

Como é ser Padre Brasileiro em Portugal?
Costumo dizer que não sou padre brasileiro, e sim, padre da Igreja Católica de Jesus Cristo, e ela é universal. Então, hoje eu sou um padre Português, tenho comigo a ideia de São João Batista Scalabrini, bispo de Piacenza, Itália, “para o migrante a pátria é a terra que dá o pão”, eu até ousaria acrescentar e em Portugal “lhe dá o bom vinho”.
Embora eu tenha uma nacionalidade civil e uma cultura, o meu ministério tem a universalidade da Igreja. Quando estamos fechados nas nossas origens, perdemos a oportunidade de atualizar e ampliar o nosso chamado, acolher e ser acolhido pela nova experiência e de saborear as maravilhas que a providência de Deus nos prepara sempre.

Como chegou as terras portuguesas?
Sempre fui apaixonado pela cultura portuguesa. Lembro-me das épocas da escola primária das aulas de história, as personalidades portuguesas: Pedro Alvares Cabral, Pedro Vaz de Caminha e Frei Henrique de Coimbra. Depois, no ensino secundário as obras completas do Padre Manoel da Nobrega.
Quando estava a cursar Teologia li um livro chamado “A chave dos profetas” de autoria do padre português António Vieira uma literatura encantadora, que me despertava o “impossível sonho” de beber desta cultura.
Quando fui ordenado diácono, trabalhei numa diocese, em que alguns sacerdotes tinham trabalhado na Diocese de Viseu. No que chamo de “as voltas que mundo dá” passei a desejar colaborar num lugar que tivesse necessidade de sacerdotes, iniciei um contacto com o senhor bispo diocesano e aqui estou e quero ficar.
Costumo brincar com as pessoas e digo que sou da região do médio Tejo, para fazer alusão à Virgem de Fátima, eu sou um filho dela, e ela aqui me trouxe é a minha grande mestra na subida do calvário e diante das cruzes.

O senhor Padre está aqui à 5 meses e já é bastante conhecido na diocese, como o Padre da Motinha. Como explica isso?
Percebo que na minha vida tudo é mistério de Deus, eu cheguei aqui no dia 11 de novembro apenas com o bilhete aéreo de vinda, uma mala pequena, um saco e 15,00 euros. Se calhar, o segredo foi um conselho que escutei da minha mãe quando parti: “vai e leve o corpo e a alma, Deus tudo fará filho”, posso dizer que Ele tudo fez e faz desde que aqui cheguei.
Estar inteiro, sem divisões é o segredo. O sacerdote não pode ser um homem divido, de apegos e ambições, tudo nele deve ser Evangelho, e o Evangelho ser tudo para ele. Tento acolher, escutar e partilhar da vida com todos, algumas vezes não consigo devido as atividades da missão, mas me esforço.
A motinha foi um presente de um amigo e benfeitor de Viseu, com ela consigo chegar a todas as partes para celebrar eucaristia, confissões, visitas aos enfermos e famílias e até faço pequenos passeios. Ela não é só uma “motinha”, é um instrumento de evangelização. Recordo que semanas atrás uma senhora também numa motinha me disse: “o senhor padre é pobre como a gente”, eu fiquei emocionado por saber que estou em meio as lutas desse povo. Eu particularmente teria dificuldade de “me apresentar como pastor as ovelhas, com um casaco de lã”. O sacerdote deve ser e viver pobre como o Cristo, de ter a capacidade de se aproximar das realidades do mundo para influenciar e questionar, mas não de se tornar escravo e dependente do mundo: roupas, estética, tecnologias, transportes, viagens e tantas outras coisas que acabam por nos distanciar do rebanho, por não reconhecer em nós autênticos pastores.
Quando respondemos ao chamado de Deus, a intensidade da nossa resposta, resulta no concreto da Missão. Quem disse verdadeiramente Sim a Deus, já quer ir ao encontro, já quer servir e seguir anunciando o Reino. Quando se tem disponibilidade, não é necessária estrutura nenhuma, a criatividade evangélica fala mais alto.
A soma de tudo isso, e a providência de Deus, fez-me entrar no quotidiano dos fiéis da Diocese de Viseu, mas também, este lugar, este povo, estas terras entraram em mim e assim vou formando amigos que nascem pela fé.

As pessoas comentam muito sobre as suas homílias. Qual o segredo?
Tenho numa mão o Evangelho, na outra mão tenho, as vidas, as lutas, as cruzes, as alegrias e esperanças das pessoas que comigo partilham as suas caminhadas… misturo com tudo, “Vidas e Palavra de Deus”, um bocadinho de Teologia e saem as homílias. Peço sempre ao Espirito Santo que me ajude a ser canal da graça e a ser boca de Deus, afinal sou um pecador indigno que Deus utiliza para transmitir a sua mensagem.

Onde é a sua paróquia? Onde reside?
Eu no momento não tenho paróquia, ajudo os meus irmãos sacerdotes no que precisam, lá estou.
Atualmente resido em Fornos de Algodres, o lugar do melhor Queijo da Serra da Estrela… uma terra vocacional pelo fato de ter colaborado com a formação de muitos padres e bispos que aqui passaram no Seminário São José

Quando irá assumir uma paróquia? Tem alguma que gostaria de assumir?
O nosso tempo não é o tempo de Deus, o senhor bispo está discernindo junto com os senhores vigários gerais, sob ação do Espirito Santo, irão me confiar uma missão pontual.
Tenho pretensões em assumir a paróquia que mais necessita de sacerdote, cuidado, presença, zelo e de evangelização. Não importa o local, não preocupo com geografia, me importa os corações que lá estão.

Como vive seu sacerdócio? Amigos?
Entendo que só um encontro constante com aquele que me chamou e garante a autencidade do meu ministério, assim busco viver. Costumo dizer que vivo da providência ela tudo me concede. Ao longo do caminho percorrido carreguei muitas cruzes, mas sempre contemplei a Cruz com o Cristo Crucificado, e Ele me ensinou a carregar a minha cruz.
Falo sempre que sou o padre mais feliz do mundo. Não me falta nada tudo chega na hora e no momento certo. Fico impressionado com a providência de Deus e o dom da partilha das pessoas, muitas vezes ao final das celebrações chego na motinha tem sempre um saco com: ovos, bolo, laranja, grelos, roupas, queijos e algumas vezes até um trocadinho. Eu não sou digno de toda ajuda que tenho, mas sou grato a Deus pela vida dessas pessoas que são meus irmãs na estrada da vida.
Meu mistério se torna mais fecundo com os meus amigos, são inúmeros em tantas partes do mundo e agora tem grupo alargado aqui nos conselhos da diocese de Viseu: Mangualde, Fornos de Algodres, Penalva de Castelo, São Pedro do Sul, Tondela, Viseu e Nelas. Com destaque a boa convivência e encontros com a malta jovem.

Como é sua relação com o bispo de Viseu?
Primeiro vejo nele um homem extremamente amoroso, hospitaleiro e acolhedor, fruto da sua intimidade com Deus e de uma profunda compreensão do seu ministério episcopal.
Tenho profundo respeito e lhe quero muito bem, temos uma ótima relação. É um homem divertido, bem-humorado e tem sempre uma palavra de conforto. Um bispo que sofre com a gente quando temos dificuldades, mas vibra com as nossas alegrias. Quando nos encontramos sempre me fala: “força e coragem sempre padre Emiliano”. É um pastor sempre pronto em ajudar a todos.

Sua mensagem final
Sejamos no mundo de hoje Evangelhos Vivos, como diz um velho ditado: muitas vezes nós somos a única “bíblia” que muitas pessoas vão ler e a nossa vida pode ser a única oportunidade para alguém enxergar a graça de Cristo (2 Co 3:2).
Em meio as crises tenhamos o pensamento de santo António de Lisboa “A fé se compara ao peixe. Assim como o peixe é batido pelas frequentes ondas do mar, sem que morra com isso, também a fé não se quebra com as adversidades.”
Para todo o resto pensemos como Santa Teresa de Ávila “Nada te perturbe, nada te amedronte. Tudo passa, a paciência tudo alcança. A quem tem Deus nada falta. Só Deus basta!”

A todos um Feliz Tempo de Pascoa!