Chegou ao fim o ano letivo 2022/2023.
Este ano letivo, fica marcado pelo normal funcionamento pós pandemia, pela sua divisão em semestres (neste agrupamento) e também pela saída de Agnelo Figueiredo, depois de 35 anos, do cargo de Diretor do Agrupamento de Escolas de Mangualde.
Para sabermos um pouco mais sobre todas estas questões, Renascimento falou com Agnelo Figueiredo
- Sr. Engº como decorreu este ano letivo, tendo em conta que foi o retomar da normalidade pós pandemia e, porque foi também a primeira vez que o ano letivo foi dividido em semestres?
Pode dizer-se que o ano decorreu de forma tranquila e previsível, embora pudesse ter corrido muito melhor. Todavia, para que tal acontecesse, o ministro da Educação deveria ter adotado uma diferente política no que toca à dotação de professores de cada escola. De facto, se nos tivessem alocado mais professores, sobretudo do 1.º Ciclo, teríamos feito muito melhor. Basta dizer que começámos o ano sem professores em Moimenta do Dão e, durante todo o ano, sempre nos faltaram professores aqui e acolá, o que causou problemas por deficiência de compreensão por parte de alguns pais, já que colocaram o ónus na direção da escola em vez da política do governo. De resto, avisei para este constrangimento logo na cerimónia de abertura do ano. Deviam ter ouvido.
Quanto à organização em semestres, parece-me que não irá prosseguir. Pessoalmente, julgo que é uma medida positiva, uma vez que dá mais tempo para o ensino e a aprendizagem, espaçando mais os momentos de avaliação formal. O ano fica mais calmo. Para os professores, também, já que deixam de ter uma maratona de reuniões em simultâneo com as aulas. Contudo, a avaliação da medida, que a escola já fez, mostrou que a maioria dos professores prefere o sistema clássico dos trimestres. Também os alunos se mostram com a mesma opinião, mas aí com fundamento, uma vez que, por falta de experiência da escola – foi o primeiro ano – os alunos suportaram uma estopada de testes logo nas duas semanas após as férias de Natal, o que foi péssimo.
Assim, julgo que a escola irá voltar aos 3 períodos letivos. - Como avalia a escola e os alunos, no antes pandemia e pós pandemia? Acha que existem muitas dificuldades resultantes desse período?
A pandemia foi devastadora para a escola. Ou melhor, o que foi devastador foi o exagerado confinamento geral que os políticos decretaram, e não propriamente a pandemia. Esse longo confinamento levou-nos para o ensino a distância. Ora, o ensino a distância funciona bem para alunos com maturidade. Nós temos, há seis anos, ensino secundário a distância, para adultos, e funciona muito bem. Mas é absolutamente imbecil pretender que uma criança aprenda a ler e escrever a distância. Não aprende. Aqueles que têm a sorte de ter pais preparados e disponíveis, ainda vão fazendo aquisições, mas a maioria não aprende nada. E não estou a restringir-me ao 1.º Ciclo. O mesmo se passa com a generalidade dos alunos, de todos os anos, embora vá melhorando com a idade e a maturidade.
Em suma, foram 2 anos perdidos.
O problema é que os alunos passaram de ano, e passaram com altas classificações, isto é, aprenderam muito pouco, mas tiveram altas notas. Isto acabou por convencê-los de que não é preciso trabalho, esforço e dedicação, o que ainda foi pior.
Claro que pusemos em práticas programas de recuperação, com aulas suplementares, sobretudo a Português e Matemática, mas, mesmo assim, os nossos alunos, globalmente, estão muito abaixo do patamar em que deviam estar.
A esta distância, entendo que o confinamento deveria ter implicado a repetição do ano para todos os alunos. Demoravam mais um ano a concluir a escolaridade, mas não perdiam aprendizagens, e o prejuízo relativo era nulo. Teria sido muito mais eficaz, mas seria necessária uma coragem política que os nossos governantes não têm. - E a nível do aproveitamento? No geral como está o Agrupamento de Escolas de Mangualde?
Importa distinguir aprendizagens de classificações. Os professores, genericamente, são unânimes quando verbalizam o atraso na aprendizagem dos alunos. Por essa razão, não podem avançar no currículo ao ritmo previsto. Contudo, a avaliação tem de ter em conta o que se ensinou e não o que deveria ter sido ensinado. Daí o facto de as classificações não terem baixado. De todo o modo, não se pode comparar um 18 de agora com um 18 de há 4 anos. - Sr. Engº uma questão que se torna inevitável. No próximo mês terminará o último mandato como Diretor das Escolas de Mangualde. Depois de 35 anos qual o sentimento que fica?
Sim, foram 35 anos ao serviço dos Mangualdenses na direção das escolas.
Neste momento do despedimento, fico dividido entre um sentimento de infelicidade e uma grande serenidade.
Infeliz, porque, ao longo dos anos, trabalhei com vários presidentes de câmara - Mário Videira Lopes, Soares Marques, João Azevedo – sem que houvesse intromissões da Câmara ou partidarização da escola. E foi preciso chegar o Marco Almeida para que este salutar relacionamento acabasse. Nunca pensei que obsessão do Marco em controlar todas as organizações do concelho atingisse o nível paroxístico que se viu. De facto, não houve qualquer um dos 21 elementos do Conselho Geral que não tivesse sido abordado, pressionado, chantageado, pessoalmente ou através de homens e mulheres de mão, no sentido de me despedir. E, desses 21, houve dois que me deixaram especial mágoa: o Rui Costa, que durante tantos anos requisitei para que ficasse em Mangualde em vez de ficar no Algarve, (mais tarde fiz o mesmo à mulher), que agora retribuiu com uma ingratidão sem vergonha; a Cristina Matos, que foi uma grande amiga desde a infância, mas que se deixou manietar pela pressão pelo partido, vindo a conduzir o processo de forma a permitir a consumação do golpe da ACAB, ou seja, trocou a amizade pelo partido. Foi muito triste. Com tudo isto, a escola, que sempre se manteve suprapartidária, privilegiando a competência, veio a transformar-se numa arena política, onde o que conta é o cartão de militante. Julgo que o Marco Almeida pretende vir a ter na escola uma espécie de capataz, a quem dará ordens, como se fosse ao encarregado do estaleiro da câmara.
“A esta distância, entendo que o confinamento deveria ter implicado a repetição do ano para todos os alunos.”
Por outro lado, saio com uma grande tranquilidade, uma vez que faço um balanço francamente positivo de tudo o que consegui para a escola e para Mangualde, ao longo dos anos. Deixo um legado de uma escola organizada e focada no que é essencial: os alunos, as suas aprendizagens e os seus resultados. Mas também uma escola que equilibra a sua função com as necessidades individuais dos professores, dos funcionários e das famílias, de modo harmonioso e natural. Uma escola que se cota entre as melhores do distrito, no que tange a resultados e a práticas. Uma escola que inova de modo responsável e intencional, vindo a ser seguida pelas suas congéneres de outros concelhos; são muitos os diretores que nos visitam e nos perguntam como fazemos isto e aquilo, o que é indiscutível sinal de vitalidade.
Integrando a missão da escola, hoje temos uma Classe de Ginástica vastamente premiada, com a devida vénia à professora Paula Cunha, bem como uma pujante Orquestra Juvenil, para além da sede nacional do Ensino Recorrente à Distância e de um Centro Qualifica. Nestes 35 anos, a escola fez um percurso sempre em crescendo e está melhor do que nunca. Hoje, a escola é a organização que mais projeta o concelho de Mangualde além-fronteiras, muito acima do futebol e até da feira.
Portanto, não fui despedido por ter feito algo de errado na escola: não dei prejuízo, não fiz negócios ruinosos, não tenho de pagar indemnizações, não dei avenças a filhos de amigos, e não descurei a formação dos alunos. Fui despedido por razões políticas e não por alguma irregularidade ou incompetência, o que me dá um grande sentimento de tranquilidade.
- Uma mensagem ou algo que julgue pertinente e queira deixar neste momento
Tenho 48 anos de trabalho na educação. Destes, tenho 25 anos em acumulação na fundação e desenvolvimento da Desinel. Fui deputado municipal e vereador. Fui membro de órgãos sociais de uma série de organizações mangualdenses. Isto é, dediquei a minha vida a fazer crescer e engrandecer a nossa terra.
Mas hoje não se pode viver em Mangualde. O poder político é asfixiante. Atropela todos os que têm pensamento próprio e o expressam publicamente. E estes, por medo de represálias, acabam por se submeter, em vez de se revoltar.
Por isso, se a minha casa tivesse rodas, levava-a para outro lado mais sadio. Ainda assim, se a conseguir vender, sairei de Mangualde.
É este o conselho que deixo a todos.