BREVE ALUSÃO HISTÓRICA AOS ESPONSAIS OU DESPOSÓRIOS


Já em tempos muito recuados, a ligação matrimonial começava por um período de namoro em que o homem fazia a corte à mulher. Depois desse período, mais ou menos longo, resultava normalmente a promessa recíproca de contrair casamento.
Essa promessa era pelos romanos designada de esponsais. “Antes dos esponsais, a mulher romana era sperata, vocábulo expressivo e preferível ao de namorada ou conversada; e a noiva era sponsa, enquanto que hoje damos o epíteto de esposa à mulher casada”.
“Os esponsais romanos não estavam sujeitos a formalidades externas rigorosas; eram acto consensual, mas produziam importantes efeitos jurídicos; pois os desposados não podiam contrair matrimónio com outra pessoa sem a prévia ruptura dos seus esponsais anteriores; a infidelidade da sponsa constituía adultério”.
“ O antigo direito canónico não dava força obrigatória aos esponsais”.
Antes do Código Civil de 1867, os esponsais eram considerados um ato solene que só por escritura pública podia ser celebrado. Mas, podiam as partes retratar-se, pagando uma pena convencional ou uma indemnização por perdas e danos, além da restituição das prendas recebidas.1
No domínio do Código Civil de 1867, os esponsais perderam parte da sua força jurídica. Nos termos do seu artigo 1067º, o consentimento dos contraentes, para o casamento, só pode prestar-se irrevogavelmente no próprio ato da celebração dele. São, portanto, nulos os contratos, em que as partes se obrigam para o futuro, debaixo do título de esponsais, desposórios ou qualquer outro, a contrair casamento, quer haja, quer não, estipulação de cláusulas penais.
§ único. A disposição deste artigo não obsta, contudo, a que a pessoa, que, sob promessa de casamento, recebeu nesse intuito quaisquer donativos ou autorizou alguma despesa, seja obrigada à restituição daqueles, ou à indemnização desta, se lhe for exigida.
O preceito foi depois textualmente reproduzido no artigo 24º do Decreto nº 1, de 25 de Dezembro de 1910.
Como se vê, partindo do princípio de que o consentimento dos nubentes só pode ser irrevogavelmente prestado no momento da celebração do casamento, foi considerada a nulidade dos esponsais ou desposórios.
No entanto, tornava obrigatório a restituição dos donativos recebidos e a indemnização pelas despesas autorizadas com vista ao casamento.
Atualmente, dispõe o artigo 1591º que o contrato pelo qual, a título de esponsais, desposórios ou qualquer outro, duas pessoas se comprometem a contrair matrimónio não dá direito a exigir a celebração do casamento, nem a reclamar, na falta de cumprimento outras indemnizações que não sejam as previstas no artigo 1594º, mesmo quando resultantes de cláusula penal.
Como se verifica, o preceito não declara a nulidade da promessa como fazia a legislação anterior. Aceita, portanto, que do contrato surgem deveres cuja violação dá lugar à indemnização prevista no artigo 1594º.
No entanto, diz expressamente que a promessa não dá direito a exigir a celebração do casamento.
Por vezes o tempo que precede o compromisso de celebrar o casamento é longo e reveste-se de um elevado grau de confiança que assentou em determinadas práticas sociais (como, por exemplo, o pedido da mão da noiva no meio de uma festa com a presença de grande número de amigos). Por isso, o direito não podia isentar de responsabilidade o incumpridor, nomeadamente quando foram levadas a cabo diversas diligências preparatórias e efetuadas despesas.
No entanto, não se pode forçar demasiado o incumpridor a pontos de o levar a celebrar o casamento apenas para poder subtrair-se ao pagamento de elevada indemnização.
Ponderando todos estes aspetos, o preceito, sem deixar de obrigar o promitente faltoso a responder pelo seu ato, procede a uma limitação dos danos reparáveis e até do seu quantitativo.

1 V. Cunha Gonçalves, Tratado de Direito Civil, vol. VI, páginas 82 e seg.