lendas, historietas e vivências

De memórias se vive tranquilamente…

Irei ainda continuar presa às vivências longínquas da meninice e adolescência pelas cercanias da Estação de Mangualde… A gare foi construída a meia encosta entre o riacho do Castelo e o cume onde se localizavam as lajes e palheiras da aldeia Cubos. Mais ao lado destas, o conhecido Penedo Escorregadoiro o qual pela sua configuração ao longo da encosta era escolhido para brincadeira dos miúdos que saiam da escola. Escorregavam desde o cimo sentados sobre as latas que já deixavam escondidas entre fetos e giestas, para esse fim. Era uma brincadeira inocente, mas sujeita a vários perigos pelo que as mães quando os filhotes se atrasavam no regresso da escola ficavam com o coração nas mãos. Não eram poucas as vezes em que alguns deles chegavam a casa com joelhos e pernas esfolados, ou pior. Que fazer com a vivacidade de crianças e jovens adolescentes cheios de adrenalina e criatividade?! Felizmente ainda não havia telemóveis, que encharcam com assuntos inúteis a mente das pessoas de todas as idades. Assim boas estórias infantis e verídicas ficaram para se contarem em ameno convívio…
Para leste da Gare os carris da linha que segue para a Guarda encontrariam logo ali o desnível de um vale bastante acentuado criando lá no fundo o leito do ribeiro do Castelo. Para ser ultrapassado este grande obstáculo foi ao tempo, finais do séc. XIX, construído um enorme talude sobre a linha de água tendo feito uma curva acentuada. Quando se vai de comboio sentem-se uns certos arrepios pela inclinação que ele toma parecendo que vai desequilibrar-se e cair para o chão profundo do talude… mas, felizmente, nunca isso aconteceu.
Das janelas da minha casa via-se toda essa extensão do caminho-de-ferro curvando sobre o talude e os comboios fazendo fumo e um sinal sonoro muito agudo, cujo alerta não se devia ignorar. Era o aviso “não circular” na berma da linha férrea… no entanto, como o ser humano, o povo, tem por vezes, de infringir as regras não eram poucas as pessoas que, de cargas à cabeça, seguiam ao longo da linha desde a Estação às aldeias próximas. Era uma decisão terrível esta de encurtar caminho usando tal percurso. Não eram poucas as vezes em que a miudagem ao lado dos familiares ou mesmo sozinhos se metiam a caminho, sem noção do perigo que corriam. Por estranho que pareça ao longo de dezenas de anos não constou que tivessem havido acidentes nestas circunstâncias. Da minha janela eu podia acompanhar durante alguns minutos esse longo meio de transporte …Durante tempos era tão comprido, era uma carga tão grande, tantos vagons que levava duas máquinas a da frente a puxar e a de trás a empurrar.
Isto fazia-me grande confusão e perguntava ao Pai, porquê… e o Pai só me dizia não te metas nisso, és muito pequenita…Mas a minha curiosidade acabou de forma positiva…