lendas, historietas e vivências

Tão longe no Tempo tão perto na Memória

À volta da Estação as aventuras diárias só eram interrompidas pelos horários escolares. Aqui não havia desculpas de que o leite da quinta da calçada tinha demorado a chegar a casa para o pequeno - almoço…E porque é de memórias que tenho ocupado o meu tempo de escrita, a meninice foi um tal acumular de acontecimentos que agora seria não mais acabar…
Enquanto pela Europa a vida era um pânico em crescendo na destruição de vidas, bens e História. Por cá havia algum sossego só interrompido pelo que se ouvia na telefonia do Pai, única por aqui, alimentada a bateria de automóvel, já que, a esse tempo, ainda não havia luz eléctrica. À noite era uma escuridão. Valiam os candeeiros e lanternas a petróleo, os gasómetros a carboneto, as candeias e lamparinas a azeite. Uma iluminação que se tornava demasiado cara para quem precisava de umas gotas de azeite para comer as batatas e untar o pão. Ai meninos, meninas e cidadãos no seu todo, que o mundo não venha a dar uma volta completa ao contrário…porque voltas em meridianos tem havido muitas pela ganância e loucura de uns tantos que se julgam o poder e a sabedoria universais. Foi por estas que nas décadas de 30 e 40 tantos países ficaram arrasados e tantas vidas se perderam…Cá pelo País a força das bombas não se fez sentir nem a maioria da população fazia ideia da destruição que elas trariam. E embora a ditadura não permitisse à vontades, ao tempo, valeu à população os acordos que o governo fez com outros da Europa e nos permitiram não sentir os efeitos das bombas e descargas de canhões. Não houve o correr de sangue, em contrapartida, embora sendo um País pobre, tivemos de disponibilizar muitos bens alimentares e não só -cereais, leguminosas, azeite, açúcar. minerais, resina, madeiras e muitos outros. Nas imediações das Estações onde parassem comboios havia um acumular de rolos de madeira, bens alguns encaixotados, outros em barricas, que eram carregados em vagões a caminho de determinados países (aliados) da Europa. Era este o preço da nossa Paz e também o meio de transporte mais prático e de certo modo apagado das vistas de possíveis espias aéreos. Tudo tinha de ser acautelado. E era esta a razão porque da nossa janela, já muito de noite, íamos ver o longo comboio a deitar fumo (máquinas a lenha e carvão) num esforço tremendo e que não parava porque atras ia a outra máquina a empurra-lo. Assim seguia para a fronteira de Vilar Formoso. Foram muitos os comboios que nos acordaram até à Paz, em 1945. Não apitavam, logicamente, mas o barulho das máquinas a vapor (chf… chf… chf…) era suficiente.